ARTIGO”Você com mais idade!”

Dr. Julio Peres

O maior dos sofrimentos que as pessoas com mais idade apresentam é a solidão. Foi o
que mostrou uma recente meta-análise com 70 estudos envolvendo mais de 8 mil pessoas entre
55 e 100 anos, publicada no respeitado periódico JAMA. A solidão contínua em idosos tende a
evoluir para depressão, o que agrava as condições de saúde e amplifica significativamente os
sofrimentos até a morte.

Como aliviar esse sofrimento? Obviamente, a primeira resposta é: por meio da
convivência, companhia, visitas, passeios e relacionamentos presenciais. Contudo, infelizmente
pouca atenção tem sido dada nesse sentido às pessoas com mais idade, e não podemos
subestimar os exemplos transgeracionais e a nociva cultura da pressa, do descaso e
superficialidades que nos “empurram” ao adoecimento. Diante disso, cabe a reflexão: a maneira
que você se relaciona com os idosos e/ou cuida deles, especialmente os avós dos seus filhos
(seu pais), será provavelmente a maneira como você será cuidado por seus filhos e pessoas mais
jovens quando sua idade avançar.

Os profissionais da saúde mental, por outro lado, cada vez mais dirigem atenção ao
crescente grupo de pessoas com mais idade. São desafiadores os diagnósticos diferenciais nessa
população, porque a solidão e a depressão podem ser concomitantes a vários outros fatores,
como a desestruturação do núcleo familiar, distanciamento dos filhos, perda de entes queridos,
declínio cognitivo (demências), condições médicas, interações medicamentosas e limitações
físicas para funções que eram habituais anteriormente. É importante observar que, apesar da
disponibilidade cada vez maior de serviços especializados, a depressão que acomete grande
percentual dessa faixa populacional muitas vezes não é detectada ou mesmo tratada de forma
adequada.

A sucessão de perdas pode ganhar mais peso que os benefícios da sabedoria adquirida
na maturidade longeva, quando as abordagens complementares às visitas e a participação ativa
de familiares, amigos e colegas não acontecem. E quais são as tais abordagens complementares
indicadas à melhor qualidade de vida dos idosos? A despeito de nada substituir a potência
saudável da atenção afetuosa presencial, vale considerarmos as possibilidades adicionais abaixo,
respeitando os limites de cada indivíduo:

=> Pets, animais de suporte emocional e terapias de contato com animais: favorecem nutrientes
afetivos em relações de amor incondicional especialmente por parte dos pets. Foram
demonstrados maiores efeitos na redução da solidão dos idosos quando adotadas abordagens
em que se priorizou a presença de animais.

=> Religiosidade e Espiritualidade: Exercem um importante papel na manutenção da saúde
mental e prevenção da depressão das pessoas com mais idade. Além dos manejos positivos que
envolvem resiliência, busca de aprendizados, aliança com Deus, entre outros aspectos, a
congregação entre comunidades religiosas pode favorecer a noção de pertencimento diretamente
relacionada à saúde mental. Observo na minha prática clínica que, em especial, o enquadre
cognitivo de que a vida presente é parte do processo evolutivo que compreende sucessivas vidas
(reencarnação) tem se mostrado como manejo atenuante do sofrimento relacionado à suposta
finitude e à dor pela perda definitiva dos entes amados.

=> Musicoterapia: Tem sido cada vez mais utilizada em idosos e indivíduos com demências.
Estimula a comunicação por meio da linguagem musical, que envolve variados timbres, células
rítmicas, melodias e outros elementos que colaboram com a expressão de afetos positivos, a
regulação das emoções e o fortalecimento de memórias motoras (de procedimento), assim como
de memórias declarativas, considerando melodias e canções previamente conhecidas.

=> Terapia ocupacional: Por meio de oficinas, atividades lúdicas e artísticas em grupo (jogos,
pinturas, esculturas, artesanato, exercícios) e palestras, os profissionais auxiliam a retomada de
atividades diárias que foram prejudicadas tanto quanto possível, além de valorizar os resultados
das expressões individuais e do grupo, favorecendo a noção de pertencimento.

=> Intervenções sociais: Trazem resultados significativos para a melhora da autoestima e
sentido de pertencimento a comunidades e grupos. Contudo, as iniciativas de cunho social devem
prioritariamente respeitar as áreas de interesse do indivíduo para a adesão contínua a práticas
coletivas. As principais atividades podem acontecer em comunidades de filantropia, datas
comemorativas, ações de voluntariado, dança e jogos em centros comunitários, exercícios físicos
em grupo, comunidades religiosas/espirituais e clubes.

=> Exercícios físicos: Individuais ou em grupo, acompanhados por profissionais especializados
(personais), impactam na melhora da disposição, do tônus vital e do humor por meio da
segregação neuroquímica relacionada ao bem-estar (serotonina, dopamina), além do
fortalecimento muscular, do equilíbrio, da coordenação motora e da flexibilidade, que conferem
autonomia às atividades diárias. As atividades físicas que incluem a musculação orientada
diminuem a emersão de condições médicas (problemas cardiovasculares, diabetes, artrites, entre
outras), e mantêm a densidade óssea preventiva a fraturas por osteopenia e osteoporose.

=> Intervenções tecnológicas: A realidade virtual na forma de head-mounted displays (monitores
acoplados à cabeça) vem sendo cada vez mais utilizada como estratégia terapêutica no cuidado
de idosos, porém com resultados ainda inconsistentes, porque a náusea, efeito colateral do
procedimento, é reportada por muitos usuários. Um conjunto de reminiscências peculiares ao
indivíduo é mostrado no display visual, de maneira a proporcionar acesso e fortalecimentos de
memórias com valências emocionais positivas.

=> Terapêuticas medicamentosas: As regras farmacológicas inerentes à faixa etária e
interações conflituosas entre os medicamentos é um desafio clínico, mas, quando acertadas as
dosagens, esse recurso pode propiciar melhora da qualidade de vida das pessoas com mais
idade. Em geral os estudos mostram que os quatro fármacos mais utilizados por idosos são os
anti-hipertensivos, os antidepressivos ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina),
diuréticos e analgésicos, enquanto, para indivíduos com declínio cognitivo (demências), são
prescritos principalmente os inibidores da colinesterase, que aumentam a disponibilidade de
acetilcolina no cérebro.

=> Terapia de Reminiscências: Merece especial atenção. Também conhecida como Abordagem para Revisão de Vida, foi formulada para atender às necessidades das pessoas com mais idade, inclusive com declínios cognitivos de vários estágios. Envolve a recordação vocal ou silenciosa de eventos na vida de uma pessoa, seja sozinha ou com outra pessoa ou grupo de pessoas. Normalmente envolve a modalidade de reuniões de grupo, pelo menos uma vez por semana, em que os participantes são incentivados a compartilhar suas histórias autobiográficas e acontecimentos passados, muitas vezes auxiliados por recursos como fotos, músicas, objetos e vídeos. Infelizmente ainda npouco conhecida no Brasil, essa abordagem terapêutica psicossocial aumentou significativamente a função cognitiva e a qualidade de vida e reduziu os sintomas depressivos e neuropsiquiátricos entre pessoas com demência. Formulei um protocolo terapêutico multidisciplinar de reminiscências que envolve sessões individuais e em grupo com apoio de materiais autobiográficos para pessoas com declínios cognitivos.

A solidão e o isolamento social estão associados ao aumento da morbidade e mortalidade imersa em múltiplos sofrimentos. Conforme mostrei no meu recente livro “Razão & Prática: olhares terapêuticos sobre o significado e o uso das palavras”, as virtudes são o pavimento para uma vida saudável, longeva, e favorecem a construção de uma sociedade com significativa melhor qualidade, que todos merecemos. Portanto, cultive o amor, a bondade, a escuta, a
gentileza, a gratidão, o respeito e a solidariedade, com empatia pelas pessoas idosas. Sente-se bem, quem faz o bem!.

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