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Trauma Psicológico

Os ensinamentos da Psicologia aliados às contribuições da Neurociência e da Espiritualidade são os ingredientes da extensa bagagem clínica do Dr Julio Peres, psicólogo clínico e doutor em neurociências e comportamento pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado no Centro deEspiritualidade e Mente da Universidade da Pensilvânia (EUA). Seu livro “Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam” é uma síntese atraente e descomplicada do trauma e dos mecanismos de superação. O lançamento será no dia 3 de setembro na Livraria Cultura (Av Paulista) das 18:30 as 21:30h. Vale a pena conferir.

1 – Como você desenvolveu seu trabalho e o que o levou a se interessar pelo trauma psicológico?

Os estudos populacionais mostram que a maioria de nós sofreu o sofrerá situações potencialmente traumáticas como perda de entes queridos, acidentes, enfermidades, conflitos familiares, profissionais, etc. Observei que o trauma pode dar origem a vários transtornos psicológicos e então, como psicólogo clínico, dediquei atenção à superação de eventos dolorosos, que envolve necessariamente vários processos complementares e interdependentes. Abordando conceitos de traumas, de percepção, de memória, de personalidade, de espiritualidade e religiosidade, de saúde, psicoterapia e superação, desenvolvi um método terapêutico que se mostrou eficaz para o fortalecimento de mecanismos capazes de promover sua superação. Realizamos pesquisas nesse sentido e publicamos nossos resultados em periódicos científicos com o objetivo de contribuir com os profissionais da saúde que se dedicam ao tema.

2 – Como está no título de seu livro, o que a psicologia, a neurociência e a espiritualidade ensinam. Como a espiritualidade se relaciona com a psicologia e a neurociência?

A espiritualidade é um componente importante da personalidade e da saúde, constitui uma parte importante da cultura, dos princípios e dos valores utilizados pelos pacientes para dar forma a julgamentos e ao processamento de informações, fornecendo ordem e compreensão de eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis. Vários estudos têm demonstrado que esse tipo de processamento facilita a superação do trauma psicológico. Mostramos em um estudo com neuroimagem publicado no periódico Psychological Medicine em 2007 que o córtex préfrontal, que se relaciona com a classificação e a rotulagem dos acontecimentos, esteve envolvido nesse processo de superação. Portanto, de maneira similar à exploração de toda a dimensão pessoal da experiência humana, a integração das dimensões espirituais e religiosas dos pacientes em seus tratamentos pode ser fundamental no processo de superação.

3 – Nos últimos anos, muitos médicos e cientistas em geral têm valorizado uma aproximação entre espiritualidade e ciência. O que você pensa sobre isso? Essa aproximação é realmente um caminho possível e desejável, tanto para a ciência quanto para a espiritualidade?

Considero muito importante a aliança entre a espiritualidade e a ciência. Atualmente, observa-se na literatura especifica a área da saúde mental ênfase crescente do tema espiritualidade. Por exemplo, um estudo recente mostrou que os principais domínios discutidos em psicoterapia de indivíduos americanos incluíram o trabalho, a família, os amigos e a sexualidade. A espiritualidade foi considerada como tema de igual importância e os pacientes observaram os terapeutas abertos para discussão desses domínios. Contudo, nem todas as abordagens encontraram um ajuste do tema em suas intervenções terapêuticas e ainda assim, psicólogos estudados em entrevistas semi-estruturadas consideraram a espiritualidade como um tema potencialmente provedor do encontro de equilíbrio e harmonia dos pacientes. Felizmente, estamos caminhando na direção dessa integração entre a ciência e a espiritualidade.

4 – Ao falar de espiritualidade, de alguma forma você separa esse conceito dos fenômenos parapsicológicos? É possível atribuir a cura não especificamente à espiritualidade, ou ao “sobrenatural”, mas à ação da mente, como ocorre em tantos outros fenômenos parapsicológicos?

Trabalho com a Psicologia e não com a Parapsicologia. Considero que a Psicologia necessita ampliar seus horizontes científicos, se quiser contribuir verdadeiramente à compreensão da mente e do seu relacionamento com o corpo. O livro Irreducible Mind de Eduard Kelly e colegas apresenta e discute as implicações de uma larga escala de fenômenos psicológicos importantes, mas negligenciados, que incluem as influências psicofisiológicas (psicossomática, placebo, desordens dissociativas, mudanças neurofisiológicas induzidas pela hipnose, influência mental à distância), a memória, automatismo mental (identidade, escrita automática/psicografia, estados de transe, mediunidade dissociativa), fenômenos de quase morte e experiências similares (experiência fora do corpo, sonhos, aparições e visões lúcidas no leito de morte), genialidade (inspirações criativas) e experiências místicas. O livro propõe que à luz das evidências disponíveis, considerando a revisão detalhada sem limitar a análise apenas aos dados contemporâneos da neurociência cognitiva, as principais teorias atuais a respeito do complexo mente-corpo são seriamente falhas e incapazes de explicar uma escala larga de experiências humanas. O processo de superação envolve naturalmente o complexo mente-corpo, e seguindo as propostas de William James e Frederic Myers, o cérebro pode trabalhar como um filtro para manifestações da mente em nossa vida diária, ao invés de produzir a mente, isto é: o cérebro pode funcionar enquanto um órgão que de algum modo confina, regula, restringe, limita, capacita ou permite a expressão da mente. Em meu livro abordo as varias pesquisas controladas que sugerem evidencias para essa hipótese.

5 – Você tem encontrado alguma resistência às suas idéias no meio acadêmico e médico?

As resistências estão atenuando e as Universidades estão cada vez mais abertas ao tema. Na história da ciência, vários grupos acadêmicos foram berço para o florescimento de pesquisas que contribuíram significativamente para estratégias de saúde endereçadas à sociedade. Universitários da área de saúde de diversas faculdades e universidades brasileiras motivados a ampliar o conhecimento a respeito da natureza humana, vêm realizando estudos e pesquisas sobre ciência, saúde e espiritualidade. Laboratório sobre Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (LASER) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Liga Acadêmica de Saúde e Espiritualidade (LIASE) da Universidade Federal de Goiás; Núcleo de Espiritualidade e Saúde (NUPES) da Universidade Federal de Juiz de Fora; Núcleo de Estudos da Religião (NER) da Universidade de Brasília (UnB); Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSer) do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Núcleo Interdisciplinar de Estudos Transdisciplinares sobre Espiritualidade (NIETE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Núcleo Universitário de Saúde e Espiritualidade (NUSE) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) entre outros. Em linhas gerais, os grupos têm a programação voltada ao estudo e à discussão de artigos, desenhos experimentais, desafios metodológicos e textos sobre o tema, assim como ao desenvolvimento de projetos de pesquisa. Entre os desafios desses novos grupos está o fortalecimento das linhas de pesquisa numa área relevante para a humanidade, porém ainda pouco estudada. O tema espiritualidade e religiosidade ainda é cercado de opiniões pré-formadas, que vão da credulidade ingênua até o ceticismo dogmático. Frutos desse trabalho dos grupos acadêmicos têm sido a realização de congressos e simpósios sobre saúde e espiritualidade nas universidades, criação de ligas acadêmicas, desenvolvimento de protocolos e métodos de pesquisa na área, publicações de artigos em jornais indexados e interfaces com outros órgãos estatais e/ou núcleos potencialmente colaborativos. Para citar alguns exemplos

6 – Você é membro e pesquisador do ProSer, Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Como é o trabalho no ProSer? Em que consiste exatamente o programa do ProSer e quais pesquisas são realizadas lá?

O ProSer foi criado com o objetivo de estudar e pesquisar as interfaces e influências em espiritualidade/religiosidade e a saúde humana. Este núcleo está inserido no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP e a sua programação é voltada à discussão de textos e projetos a serem desenvolvidos ou em desenvolvimento no ProSer. As reuniões são realizadas às terças-feiras das 12:00 às 13:30hs no anfiteatro do 3° andar, localizado no Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP (Rua Dr.Ovídio Pires de Campos, 785). Estamos realizando uma pesquisa sobre mediunidade com o objetivo de investigar se a psicografia esta associada com alterações específicas na atividade cerebral. Investigaremos dez médiuns por meio do método neurofuncional SPECT. O estudo se justifica porque uma das mais desafiadoras questões que a ciência enfrenta continua sendo hoje a compreensão da natureza da personalidade e da mente, bem como a sua relação com o cérebro. Apesar do extremo interesse nesta área de investigação, ainda não foi encontrado um mecanismo biológico plausível para explicar a forma como o cérebro pode dar origem à mente ou a consciência. Investigadores de diversos campos, incluindo neurocientistas, psicólogos, físicos, matemáticos e filósofos têm manifestado opiniões e teorias relativas à consciência e conseqüentemente à natureza humana. Embora a maioria dos estudos neurofuncionais forneça evidências robustas do papel das redes neurais como intermediárias para manifestação de pensamentos, emoções e comportamentos há teorias e estudos que associam o cérebro à mediação de uma série de conceitos como a alma, o espírito, a mente e a consciência. A visão do homem e a natureza que o constitui são esteios que norteiam as intervenções terapêuticas e não há como se falar em Psicologia ou Psiquiatria sem abordar esse tema. Em conjunto com outros estudos sobre o complexo mente-cérebro, a presente pesquisa pretende trazer contribuições ao esclarecimento da natureza humana em sua miríade de expressões, entre elas a dimensão religiosa. As implicações dos esclarecimentos vindos dessa linha de pesquisa certamente trarão impacto social quanto à terapêutica da dor psíquica.

Entrevista concedida à Rosângela Manchon UNIFESP

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