Apresento agora um caso clínico mais detalhado para exemplificar como nossa terapia de exposição e reconstrução cognitiva pode ajudar as vítimas de traumas a desenvolver o crescimento psicológico a partir de suas experiências negativas, promovendo dinâmicas psicológicas saudáveis.
Uma paciente com TEPT e comorbidade depressiva foi diagnosticada de acordo com os critérios do DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994). Suas principais queixas referiam a interrupção de suas atividades diárias, isolamento, flashbacks e pensamentos intrusivos devido a um seqüestro relâmpago sofrido oito meses antes da terapia. A Sra. M, 36 anos, casada, mãe de duas meninas, submeteu-se a 16 sessões (uma por a semana) durante aproximadamente 4 meses. A versão de Escala-Diagnóstica de TEPT (CAPS) (Blake et al., 1995), a Entrevista Clínica Semi-Estruturada para DSM-IV (SCID) (First et al., 1995), a Escala de Impacto de Evento (EIS) (Horowitz et al., 1979), o Inventário de Depressão Beck (BDI) (Beck & Steer, 1987), e o Inventário de Ansiedade Beck (BAI) (Beck et al., 1988) foram aplicados quatro vezes: (1) antes da psicoterapia, (2) após a psicoterapia, (3) os cinco meses após a psicoterapia (follow up), e (4) os doze meses após a psicoterapia (follow up) (tabela 1).
Durante a anamnese, investigamos como a Sra. M. tratou das adversidades passadas, não relacionadas ao trauma atual. A Sra. M. descreveu várias situações onde sentiu-se vulnerável, frágil, e incapaz de mudar as situações da infância que causaram sofrimento. Como adulta, mesmo quando correta, Sra. M. não discutia com figuras de autoridade, como irmãos mais velhos, professores e chefes porque sentia-se incapaz de se defender. Os momentos emocionalmente impactantes trouxeram a expressão verbal recorrente “…eu me sentia muito pequena, rejeitada e incapaz de fazer qualquer coisa”. Durante a anamnese, a Sra. M. foi orientada a selecionar algumas memórias positivas dos episódios que tinha enfrentado e vencido adversidades. Superou o medo de escuro aos 11 anos, o medo de viajar sem seus pais aos 16 anos, aos 18 anos defendeu seu primo mais novo quando apanhou de meninos mais velhos, e aos 29, discutiu com o médico de seu filho por causa da falta da atenção, obtendo assim o tratamento adequado. Essas e outras memórias positivas de auto-eficácia disparavam segurança, auto-confiança e uma boa auto-imagem.
A terapia de exposição e reconstrução cognitiva ajudou gradualmente a Sra. M. a perceber como era forte sua raiva, como realmente passou por adversidades importantes e, se não fosse uma pessoa forte, não sobreviveria a tais episódios. Durante a narração dos eventos traumáticos, a Sra. M. tornou-se consciente da dinâmica recorrente relacionada à auto-piedade e à sua recusa em acreditar que poderia enfrentar as dificuldades. O diálogo interno “eu não consigo fazer isso, não me sinto capaz” foi verificado diversas vezes durante a narração de suas memórias emocionais negativas. A Sra. M percebeu que a mesma dinâmica psicológica de fragilidade, falta de habilidade e desamparo se manifestaram durante a evocação da memória traumática do seqüestro.
A Sra. M. surpreendeu-se ao perceber que a mesma expressão, “Eu me senti muito pequena e incapaz de fazer qualquer coisa” repetiu-se quando recuperou a memória ainda sensorialmente fragmentada e narrativamente desorganizada do seqüestro. De maneira satisfatória, a Sra. M. tornou-se ciente das crenças não conscientes que exacerbavam o sofrimento psicológico. Em um estado relaxado, a paciente contatou o banco de memória resiliente previamente reforçado a fim de gerar novas interpretações que facilitariam a reconstrução terapêutica da memória traumática. Perguntas como “De que maneira suas experiências positivas podem te ajudar agora? Que aprendizagem pôde ser adquirida a partir desta experiência, que pode conduzir você a uma vida melhor no presente? Como você quer usar essa nova consciência que adquiriu na sessão?” foram feitas oportunamente.
Após tornar-se consciente destes padrões inconscientes de comportamento, a Sra. M. escolheu um “lugar” novo para ocupar em seu momento atual de vida. A paciente elaborou as redecisões cognitivas que desenvolviam nova dinâmica psicológica baseada em suas força e habilidade de enfrentar adversidades, tais como o “Eu reconheço minha força e enfrento as dificuldades de forma calma e confiante” e “Retomo minhas atividades diárias com segurança”. A prática das redecisões cognitivas foi gradativamente construindo dinâmicas psicológicas saudáveis. A Sra. M. recomeçou suas atividades diárias, os pensamentos intrusivos e flashbacks diminuíram gradualmente e o padrão do sono retornou ao normal a partir da sexta semana.
Ao término das oito sessões a Sra. M. narrou suas memórias de uma maneira cognitivamente mais organizada e com uma distinta valência emocional. Acreditamos que uma memória sensorial fragmentada – provavelmente não hipocampo pré-frontal dependente – foi traduzida em um sistema de memória (emocional) declarativa – hipocampo pré-frontal dependente (Brewin et al., 1996; Brewin, 2001). Os escores do Inventário da Ansiedade Beck (Beck et al., 1987), do Inventário de Depressão Beck (Beck et al., 1988), da Escala de Impacto de Evento (Horowitz et al., 1979), e da Escala-Diagnóstica de TEPT (Blake et al., 1990) diminuíram satisfatoriamente após 4 meses de psicoterapia. A Sra. M. foi clinicamente monitorada por 12 meses após a psicoterapia (tabela 1). Os ganhos continuaram estáveis, a Sra. M. manteve a dinâmica saudável e não apresentou recorrência ou deslocamento dos sintomas.