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Entrevista Folha Espirita: Deve a psicoterapia considerar a reencarnação?

1- Qual é o limite da crença do psicólogo diante da crença do paciente?

O artigo “Deve a psicoterapia considerer a reencarnação?” (Should psychotherapy consider reincarnation? https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22297317/), que recentemente publiquei no Journal of Nervous and Mental Disease, discute essa importante questão. Há um crescente reconhecimento da necessidade de se levar em conta o ambiente cultural e os sistemas de crenças dos pacientes na psicoterapia. Respeitar as opiniões e realidades subjetivas do paciente é uma necessidade terapêutica e um dever ético, mesmo que os profissionais não compartilhem das mesmas crenças. As informações obtidas na psicoterapia devem ser sobre o que os pacientes acreditam, o que exige conhecimento de estratégias objetivas para otimizar o enfrentamento e a superação de suas dificuldades com base neste sistema de crenças.

 

2- A população brasileira está aberta aos conceitos reencarnacionistas? Há dados sobre a crença na reencarnação em outros países?

Sim. Em todo o mundo há um grande número de pessoas que crêem na reencarnação. Segundo dados do World Values Survey, tal crença é professada por 22,6% da população nos países nórdicos, 27% na Europa Ocidental, 20,2% na Europa Oriental; já nos Estados Unidos o número chega a 27% (Gallup, 2003) e no Brasil apenas 44% da população não acredita na reencarnação (Data Folha, 2007).

 

3- Como as abordagens psicoterápicas trabalham com pacientes que acreditam em vida após a morte?

Os métodos usados em reconhecidos enfoques psicoterapêuticos, tais como o behaviorismo de Watson, psicanálise de Freud, ou a terapia cognitiva-comportamental de Beck não levam em conta a crença na vida após a morte, professada pela maior parte da população mundial (World Values Survey). A crescente experiência no âmbito psicológico aponta para a importância do surgimento de abordagens terapêuticas não-dogmáticas que levem em conta e valorizem as realidades sócio-culturais das grandes e pequenas comunidades. Muitas pessoas acreditam que as suas atuais dificuldades possam estar relacionadas a ocorrências traumáticas em vidas anteriores. É fundamental que os psicoterapeutas respeitem essas crenças subjetivas trazidas pelos pacientes. Assim como qualquer pessoa pode procurar tratamento psicológico alinhado aos seus valores e crenças, a reencarnação deve ser levada em conta pelos psicoterapeutas, que devem procurar formação adequada em abordagens coerentes e eficazes sem misticismo ou práticas divinatórias, tal como mostrei no artigo “Should psychotherapy consider reincarnation?” – conforme nossos conhecimentos, a primeira publicação científica sobre a interface equilibrada entre reencarnação e psicoterapia.

 

4- Trabalhar com a crença dos pacientes favorece melhor resultado em tratamentos psicoterápicos?

Certamente! Parte fundamental da cultura, as crenças religiosas têm papel importante na formação de juízos e no processamento de informações, auxiliando muitas pessoas a organizarem ou compreenderem eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis que podem gerar sintomas diversos. O coping (manejo) religioso é muito utilizado no enfrentamento de eventos traumáticos e na maioria das vezes, conforme experiência clínica e centenas de publicações, o efeito é favorável a superação. Por exemplo, a crença na reencarnação – envolve um ciclo contínuo de aprendizado e evolução através das vidas sucessivas – é encontrada ao longo da história humana em diferentes épocas e culturas. Do ponto de vista dos pacientes reencarnacionistas, as dificuldades são transitórias e podem ser superadas quando suas lições que as adversidades trazem são absorvidas.

 

5- Em quais momentos a religião pode interferir negativamente na vida do indivíduo?

coping religioso pode também trazer efeitos negativos em alguns casos, quando por exemplo, o indivíduo acredita que está sendo castigado por Deus, ou que merece sofrer porque fez algo imperdoável. Por isso, os profissionais devem estar preparados para o bom manejo terapêutico dos sistemas de crenças que podem tanto favorecer o sofrimento quanto a promoção da saúde e do crescimento.

 

6 – Quais os riscos que os pacientes correm com profissionais sem formação para abordar adequadamente a reencarnação durante a psicoterapia?

Infelizmente o risco é importante. Recentemente um artigo no The New York Times (Lisa Miller) afirmou que o interesse na reencarnação está em ascensão, e os responsáveis pela divulgação não são monges ou teólogos, mas terapeutas. Esta notícia nos indica uma abertura terapêutica saudável, mas também uma preocupação com ‘falsos-terapeutas’ ou profissionais que não possuem um treinamento clínico adequado para conduzir a psicoterapia. Atribuir significados aos sintomas de ansiedade, desajuste, fobia específica ou estresse pós-traumático, alinhados aos conteúdo de vidas passadas – se essa for a crença do paciente – pode favorecer a atenuação ou libertação dos sintomas.

 

7- Há linhas de pesquisas que investigam a reencarnação? Quais as principais?

Além dos estudos sobre lembranças espontâneas de crianças de suas vidas passadas (Stevenson, 1974; Haraldsson et al., 1975; Stevenson, 1987; Haraldsson, 1991; Stevenson, 2000; Tucker, 2005; Keil et al., 2005), várias outras linhas de pesquisa têm encontrado evidências sugerindo vida após a morte, incluindo-se lembranças traumáticas espontâneas de vidas anteriores com marcas congênitas correspondentes (Stevenson, 1993; Stevenson, 1997; Keil et al., 2000 ; Stevenson, 2001; Pasricha et al., 2005), xenoglossia (conhecimento de um idioma não aprendido, Stevenson; 1984), casos terapêuticos de regressão com detalhes verificáveis (Wambach, 1978), experiências de quase morte e experiências fora do corpo com detalhes verificáveis (Morse et al., 1991; Greyson, 2000; Van Lommel, 2001; Athappilly et al., 2006; Greyson, 2007), e psicografias recebidas via médiuns com detalhes particulares não conhecidos do médium e dos familiares vivos antes de receberem as mensagens psicografadas (Severino, 1994). Contudo, a psicoterapia não tem como objetivo provar algo, mas deve considerar a crença dos pacientes, independentemente das razões que os levam a acreditar em reencarnação, tais como: vestígios da era pré-cristã, influências de escrituras/filosofias ocidentais e asiáticas, necessidade de encontrar uma explicação plausível para questões existenciais, experiências e recordações pessoais de vidas passadas, ou enquadre cognitivo para lidar com a dor da perda de entes queridos. Como todos, os reencarnacionistas buscam tratamentos psicológicos que levem seus sistemas de crenças em consideração. Aceitar a realidade subjetiva e os pontos de referência do próprio indivíduo que busca auxílio são preditores de resultados terapêuticos satisfatórios.

 

8 – Qual a opinião dos conselhos de classe sobre abordar as crenças religiosas dos pacientes em psicoterapia?

Diante das centenas de artigos científicos a respeito da importancia de considerar a crença dos pacientes, o Conselho Federal de Psicologia em nota pública esclarece que “A Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós”. Vale ressaltar que, a integração da crença reencarnacionista durante a psicoterapia requer profissionalismo, conhecimento e capacidade de alinhar as informações coletadas sobre os valores do paciente para o benefício do seu processo terapêutico.

 

9 – De que forma o psicólogo pode abordar a questão da reencarnação com seus pacientes?

Estar confortável para abordar com o paciente temas sobre espiritualidade e religiosidade como a reencarnação é o primeiro de uma série de passos para que o processo terapêutico siga as diretrizes éticas. Iniciaremos em agosto de 2012 o curso Reencarnação e Psicoterapia: como abordar eticamente as crenças espirituais dos pacientes que buscam psicoterapia (veja programa completo em https://www.clinicajulioperes.com.br/). Entre outras perguntas frequentes dos psicoterapeutas, esclarecemos no curso: Quais são os limites profissionais quando temas religiosos e/ou espirituais são trazidos? Como psicólogos podem discutir reencarnação com seus pacientes? Quais são os riscos e as contra-indicações desta prática? Temos como objetivo fornecer aos psicoterapeutas conhecimento e treinamento de estratégias/manejo para abordar eticamente os pacientes reencarnacionistas que buscam psicoterapia e otimizar o enfrentamento de suas dificuldades com base neste sistema de crenças.

 

10- Para quem o curso Reencarnação e Psicoterapia: como abordar eticamente as crenças espirituais dos pacientes que buscam psicoterapia e dedicado e quais serão os professores?

O curso é destinado a Psicólogos, Médicos e Estudantes das respectivas áreas e os professores são Dra. Maria Julia Prieto Peres, Dra. Juliane Prieto Peres Mercante e Dr. Julio Peres.

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ENLOUQUECIMENTO OU CONFUSÃO MENTAL TRANSITÓRIA DURANTE A PANDEMIA?

14 AÇÕES PARA SALVAR A SAÚDE MENTAL DE SUA FAMÍLIA

Dr Julio Peres, referência no Brasil como psicólogo clínico, especializado em superação, doutor e pós-doutorado em neurociências, levanta uma questão fundamental: o suposto enlouquecimento durante a pandemia e diagnósticos equivocados. Nesta entrevista ele ainda aponta 14 dicas preciosas para garantir a saúde mental de quem amamos.

– ALÉM DOS CONHECIDOS TRANSTORNOS ANSIOSOS E DEPRESSÃO QUAL FENÔMENO PSICOLÓGICO MAIS CHAMA SUA ATENÇÃO COMO CLÍNICO ATUALMENTE?
Nos dois últimos meses observei aumento significativo da procura de familiares, principalmente filhos de pessoas que estão supostamente “enlouquecendo” na quarentena. Chamou-me atenção esta queixa recorrente com características similares e disparadores associados à fase pandêmica. Portanto, devemos todos tomar muito cuidado com diagnósticos fechados precoces e potencialmente equivocados emitidos nesta fase, tais como Esquizofrenia, Transtorno Bipolar, Depressão Psicótica e Transtorno Delirante. O que possivelmente a maioria das pessoas que apresentam circunstancialmente estado confusional, desorganização comportamental, alucinações, delírios e persecutoriedade (crenças irrealistas geralmente associadas a pessoas e/ou grupos ameaçadores que planejam algo contra o indivíduo em sofrimento) são quadros deflagrados pelas condições de isolamento social e reversíveis (não duradouros) a partir das terapêuticas adequadas.

– TODAS AS QUEIXAS PSICOLÓGICAS ATUAIS SÃO CAUSADAS PELO ISOLAMENTO SOCIAL?
Não. É uma generalização equivocada considerar que todas as alterações da saúde mental do momento sejam decorrentes da pandemia. Contudo, mesmo constatando a predisposição individual para quadros depressivos, ansiosos e psicóticos, o isolamento social e seu amplo leque de difíceis ocorrências estão de fato desencadeando em muitas pessoas quadros não manifestos antes da quarentena. Assim como a configuração do Transtorno de Estresse Pós Traumático entre outros fatores envolve a freqüência e a intensidade dos eventos estressores, outros adoeceres psicológicos também estão correlacionados com a intensidade e freqüência de situações desafiadoras no âmbito psicológico para as quais as pessoas não estavam preparadas ao manejo saudável.

– QUAL O IMPACTO PSICOLÓGICO DE DEIXAR DE VIVER A VIDA “LÁ FORA” E FICAR CONFINADO?
Principalmente em centros urbanos, poucos estavam familiarizados com uma harmoniosa convivência íntima consigo mesmos, considerando suas vidas muito além da “correria” e dos afazeres práticos do dia-a-dia. As pessoas que tinham rotinas no “mundo externo” e consideravam as suas vidas definidas por suas atividades e trabalhos pragmáticos, sentiram-se inesperadamente roubadas de seus viveres a partir da quarentena. Esta terrível perda subjetiva da própria vida, combinada às inseguranças, incertezas e despreparo para construção de um nova maneira de viver consigo sem as referências previamente conhecidas, pode ser comparável ao que chamamos em Psicologia de Luto Patológico. Este sofrimento converge a perda de alguém, de algo, de valores e significados que definem o indivíduo, e é considerado por vários autores como a maior dor desestruturante que o ser humano possa experimentar. Assim, essas pessoas se desidentificam delas próprias e mostram grande dificuldade para reencontrarem suas identidades, considerando que elas não se reconhecem mais como eram, porque não fazem mais o que faziam. Os sintomas de estranhamento em relação as pessoas e ambientes familiares simbolizam a perda do “fio da meada” que conduzia o indivíduo a sua identidade pessoal.

– COMO OS FAMILIARES PODEM AJUDAR AQUELE QUE PARECE ESTAR ENLOUQUECENDO?
É minha responsabilidade como psicólogo clínico trazer este importantíssimo tema recorrente do suposto enlouquecimento à tona. Meu objetivo é orientar famílias que vivenciam o profundo sofrimento e assistem de maneira impotente o adoecimento mental de um ente querido. Alguém que não mais se reconhece como era antes da quarentena.
Seguindo estas 14 orientações, podemos ajudar significativamente uma pessoa em confusão mental transitória:

1) Consulte dois profissionais experientes da Saúde Mental, um psiquiatra e um psicólogo, que considerem as variáveis circunstanciais da pandemia para que diagnóstico e tratamentos psicoterapêutico e medicamentoso sejam assertivos. Estudos clínicos sobre a retomada do equilíbrio mental mostram que a combinação entre psicoterapia e medicamentos surtiu significativos melhores resultados em comparação a outros grupos controles;

2) Seja a sua melhor versão no relacionamento com a pessoa que sofre. Nós todos temos neurônios-espelho e podemos tanto influenciar as pessoas como sermos influenciados por elas. Cultive especialmente a paciência, a compaixão e a generosidade. Fale e repita suas respostas às perguntas de quem sofre quantas vezes forem necessárias de maneira respeitosa, calma e amorosa mesmo que ele(a) esteja ou continue agitado(a). As virtudes estiveram significativamente relacionadas ao crescimento pós-traumático e os exemplos saudáveis dos próximos mais próximos foram de grande importância nestes processos de superação;

3) Cuide tanto quanto possível das bases fisiológicas do bem-estar: sono preservado, alimentação nutritiva, atividade física moderada com o peso do próprio corpo. Assim, estas bases ajudam a retomada da Saúde Mental, ao invés de corroborar com adoecimento. Geralmente a confusão mental acompanha agitação e ansiedade, enquanto o ritmo interno mais tranquilo favorece processamentos cognitivos claros e coerentes. Práticas suaves contemplativas e sensoriais, como ouvir músicas tranquilas, ampliar o banho confortável, respirar com calma, relaxamento, etc., que favoreçam o tranquilizar dos ritmos internos – frequências respiratória, cardíaca e cerebral – são igualmente importantes para retomada da Saúde Mental no dia-a-dia;

4) Procure conectar o ente querido em confusão mental com afazeres simples ou manuais conhecidos de maneira que ele(a) possa reconhecer novamente suas habilidades pessoais e observar “concretamente” no mundo físico as suas produções;

5) Solicite aos familiares e amigos que gravem vídeos curtos sobre o que eles admiram na pessoa que sofre, de maneira que ele(a) possa lembrar de suas qualidades, talentos e capacidades ressaltados pelas pessoas que realmente o(a) conhecem;

6) Resgate memórias emocionais agradáveis, passagens mais gratificantes da infância, da adolescência e da idade adulta. Nossas memórias nos definem e as lembranças dos bons momentos reconectam o indivíduo a sua autobiografia e identidade. Apenas boas memórias devem ser estimuladas;

7) O confinamento em um mesmo ambiente físico por muito tempo converge para o espelhamento das projeções distorcidas e confusas do ente querido. Respeitando os cuidados pertinentes ao distanciamento social, leve a pessoa que sofre a locais que ele(a) gosta ou gostava de frequentar e ao encontro de pessoas com as quais gosta ou gostava de conviver antes da quarentena como estratégias psicológicas para reestabelecimento do elo com os afetos positivos e dados de realidade;

8) Evite notícias e eventos estressores tanto quanto possível e favoreça o contato do ente que sofre com hobbies, assim como as expressões prazerosas mais destacadas – músicas, programas, filmes, pratos preferidos -, do passado próximo ou distante;

9) Compartilhe fatos simples sobre o que está acontecendo e forneça informações claras realistas com o objetivo de desconstruir as falsas crenças que “atormentam” o ente querido em confusão mental. Geralmente os enredos das confusões mentais se relacionam com os temores e traumas do passado. Verbalize frases curtas, convictas, imbuídas de afeto e conforto repetidas vezes sempre que a inquietude aflorar (ex.: você está seguro… tudo está bem e assim continuará…);

10) Favoreça outras possibilidades de expressões além da verbal, inclusive artísticas, que possam representar as percepções confusas do familiar que sofre, de maneira que você possa conversar a respeito e representar com a mesma estratégia (por exemplo um desenho) as referências saudáveis, realistas e atuais que promovam a desconstrução das falsas crenças;

11) Procure sensibilizar o humor por meio de comédias, passagens engraçadas do passado, boas piadas, vídeos disponíveis com pessoas sorrindo (contágio de comportamento saudável) de maneira que as endorfinas sejam segregadas, conferindo sensações agradáveis que convidam a retomada gradativa do bem-estar;

12) Evite o uso de substâncias psicoativas lícitas (inclusive café e chás com cafeína) que estimulam o sistema nervoso central, auto medicação (medicamentos para dormir em dosagens erradas podem causar toxidade e delírios) e qualquer tipo de droga;

13) Atualmente, centenas de estudos mostram que a espiritualidade e a religiosidade na maioria das vezes impacta positivamente a Saúde Mental. Caso a religiosidade e a espiritualidade sejam provedoras de conforto, amparo e bem-estar para quem sofre, a prática da oração e outras dentro deste escopo também serão bem-vindas;

14) Muitas pessoas bem intencionadas não colaboram e por desconhecimento cometem erros contraproducentes como críticas, tom de voz ríspido, conflitos, etc… que devem ser evitados. As informações reais que contrapõem as falsas crenças devem ser trazidas sem preconceitos, com tranquilidade e paciência. Uma rede de apoio social bem orientada sobre como ajudar é muito importante. Oriente os familiares e cuidadores que ajam de maneira uníssona ou pelo mesmo semelhante conforme as orientações acima.

Para saber mais: julioperes.com.br e WhatsApp 11 97572-1848.

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A natureza do trauma psicológico é imensamente subjetiva.

O psicólogo Julio Peres, especialista em superação, ressalta que as memórias traumáticas são prevalentes em muitos outros transtornos, como depressão, fobias específicas, pânico e ansiedade generalizada.

Os eventos traumáticos atingem grande parte da população e o mais surpreendente é que alguns estudos epidemiológicos revelam que a maioria das pessoas já passou ou passará por episódios potencialmente traumáticos. Sendo assim, como lidar com essas situações?

De acordo com Julio Peres, psicólogo clínico, doutor em Neurociências e Comportamento e especialista em superação traumática, “o trauma psicológico se caracteriza por um afluxo de excitações relativamente superior à capacidade do indivíduo de processar e elaborar esses conteúdos, que ficam dispersos em fragmentos sensoriais, emocionais e cognitivos, causando imenso sofrimento”.

Peres explica que é fundamental ter em mente que a natureza do trauma psicológico é imensamente subjetiva, indo além do fato em si. “O indivíduo vivencia o imponderável, o efeito surpresa, sem representações para signifi car o episódio ocorrido”, ressalta.

O psicólogo também se dedicou a estudos que investigaram os efeitos neurobiológicos da Psicoterapia através da neuroimagem funcional
(Psychological Medicine, 2007, e Journal of Psychiaric Research, 2011), além de ser pesquisador do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Proser) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.

O  que   tragédias   ou   traumas   podem   trazer   à   mente   da   pessoa   a curto  e  longo  prazos?
Peres:   São inúmeros os tipos de eventos traumáticos que afetam grande parte da população. Estudos epidemiológicos revelam que a maioria de nós passou ou passará por episódios potencialmente traumáticos.  O trauma psicológico se caracteriza por um afluxo de excitações relativamente superior à capa- cidade do indivíduo de processar e elaborar esses conteúdos, que ficam dispersos em fragmentos sensoriais, emocionais e cognitivos, causando imenso sofrimento. Os principais traumas que observo em minha clínica são decorrentes de desajustes familiares, desamparo, acidentes, sequestro, violência, abuso sexual, enfermidades, traições, injustiças, conflitos interpessoais, perdas de entes queridos, entre outros. Contudo, o que pode ser um evento traumático para uma pessoa não necessariamente será para outra, e o despreparo em relação a essas representações subjetivas pode caracterizar o evento estressor como um trauma psico- lógico. Devemos nos lembrar que a natureza do trauma psicológico é imensamente subjetiva, indo além do fato em si. O  indivíduo vivencia o imponderável, o efeito   surpresa, sem representações e recursos para significar o episódio ocorrido.

Os  traumas  de  infância  sempre  ficam  até  a  fase  adulta?
Peres:    Os    traumas    psicológicos podem trazer diversos sintomas, especialmente divididos em dois grupos. Primeiro, reações de alerta, com expressões adrenérgicas, como se o risco do trauma estivesse por
acontecer a qualquer momento. Os sintomas mais frequentes são irritabilidade, insônia, medo contínuo, sensações de vulnerabilidade, picos de ansiedade, entre outras expressões de excitação neuroautonômica. Segundo, expressões dissociativas relacionadas à maior atividade do sistema parassimpático. O indivíduo manifesta imobilidade tônica, como se estivesse anestesiado, embota- mento afetivo, dificuldades de estabelecer vínculos, isolamento, tristeza, entre outros sintomas. A infância é um período especialmente delicado, com extrema vulnerabilidade ao trauma psicológico, porque a criança ainda não desenvolveu suas habilidades cognitivas para categorizar e classificar eventos emocionais e sensoriais. Tais traumas nessa fase, quando não tratados, reverberam na adolescência, na idade adulta e na terceira idade, enquanto as emoções e sensações dolorosas permanecerem como fragmentos dispersos sem representações para o que ocorreu.

Toda  a  dificuldade  em  lidar  com  o trauma   pode   ser   traduzida   como estresse  pós-traumático?
Peres:  Não.  Nem  todas  as  pessoas traumatizadas preenchem os critérios diagnósticos do transtorno de estresse pós-traumático.

O medo  é  essencialmente  causa  ou consequência  do  trauma?
Peres:  O  medo  figura  entre  as  cinco emoções básicas e pode ser saudável ou patológico. A maioria das pessoas traumatizadas não preenche os critérios de qualquer transtorno psiquiátrico, mas apresenta sintomas específicos também associados ao medo que  geram  imenso  sofrimento  e limitações diárias. Vale lembrar que as memórias traumáticas são prevalentes em muitos outros transtornos, como as fobias específicas, o pânico,  a ansiedade generalizada, a depressão, entre outros. A expressão saudável dessa emoção nos permite avaliar riscos de maneira adaptativa, protege-nos de situações   ameaçadoras e nos permite viver bem. Por outro lado, a  expressão patológica do  medo é decorrente de traumas psicológicos. As pessoas generalizam os eventos como se esses pudessem ser cópias ameaçadoras do trauma, sendo assim um mecanismo que visa a proteção, porém “desadaptativo” (não atualizado ao contexto presente), que, ao invés de ajudar, promove sofrimento.

Quando  se  fala  em  trauma, muitas pessoas    logo    associam    à    morte. e a relação da criança com esse evento na maioria das vezes não é    fácil.   o   que    responder    a    uma criança quando ela indaga para onde   vai   um   parente   querido   de- pois  de  morrer?
Peres:   É   muito   importante   que   o sistema de crenças da família seja respeitado e que a comunicação em relação à morte do ente querido para a criança tenha um caráter simples, claro e objetivo.

Como  trabalhar  a  questão  da  ausência  e  da  saudade  com  a  criança?
Peres: É importante favorecer as diversas representações desses sentimentos, através de desenhos, expressões artísticas, conversas, jogos e mesmo brincadeiras leves com as crianças, que perderam entes queridos. Os adultos não devem negar ou suprimir as expressões de saudade ou tristeza ou falta  da  criança  em  relação  ao ente querido. Ao contrário do que muitos adultos pensam, as crianças têm maior facilidade de processamento das informações relacionadas às mortes desde que as mesmas sejam coerentes entre os conteúdos verbais expressados e os sentimentos manifestos. Nesse sentido, as crianças poderão lidar com da- dos de realidade e significar a falta, ao invés de criar mecanismos ilusórios, ou de supressão dos sentimentos ou mesmo dissociaçãocaracterísticos do luto patológico.

Há crianças que querem saber quanto   tempo   ela   tem   para   ficar triste,   ou    seja,   ela    quer    saber quando  vai  poder  voltar  à  normalidade  da  vida?
Peres: Os adultos assim como as crianças não precisam ter pressa para que a tristeza passe. O luto saudável, também para as crianças, envolve o ponto de equilíbrio entre o atravessar a tristeza sem cultivá-la ou mesmo incentivá-la.

Caso    a    criança    demonstre    vontade de ter fotos da pessoa que morreu,   como    se    deve    proceder? uma  linha  de  pensamento  defende que  isso  não  é  bom, pois  dificulta  a superação   da   perda.  no   entanto, outra  corrente  acredita  que  isso é  bom,  pois,  de  certa  forma,  tranquiliza    a    criança    e    a    faz    ficar mais  próxima  da  pessoa  que  perdeu. qual  sua  posição?
Peres: As demandas das crianças de- vem ser atendidas pelos adultos. É fundamental lembrar que o desejo e  o ritmo da criança devem ser respeitados pelos adultos. E assim os pro- cessamentos saudáveis terão o lugar de equilíbrio e harmonia para a criança. Caso haja o desejo da criança ver imagens, vídeos do ente querido que faleceu, os adultos devem prover esses conteúdos de maneira que a criança possa continuar o seu processamento de luto saudável. Por outro lado, vários estudos revelam que o silêncio amplifica a dor e o sofrimento.

De  acordo  com  o  tema  do  seu  dou- torado,  a  ideia  de  que  falar  a  respeito  de  traumas  auxilia  na  superação. como  chegou  a  essa  conclusão?
Peres:  Observamos  há  muitos  anos na prática clínica que expressar a dor, significá-la para, em seguida, conseguirmos ressignificar o sofri- mento como um aprendizado que nos fortalece, é fundamental no pro- cesso de superação traumática. Falar, contar e recontar a história traumática com a perspectiva resiliente envolvem aquisição de aprendiza- dos que tornam a vida ainda melhor do que foi antes do trauma acontecer. Nós estudamos e continuamos pesquisando os efeitos neurobiológicos da psicoterapia, que  são,  em resumo: após a psicoterapia observamos maior atividade do córtex pré-frontal, relacionado à categorização e à classificação dos eventos, e menor  atividade  do  cérebro límbico emocional, em especial  da  amígdala,  relacionada à  expressão do  medo. De fato, o silêncio não é o melhor caminho a seguir. Contudo, o que observamos em nossos estudos e na prática clínica é que não basta simplesmente  falar  sobre  a dor.
É preciso, em  um primeiro mo- mento, expressá-la com as palavras possíveis ao indivíduo. Mas,  em um  segundo  momento,  é necessário que  o  indivíduo ressignifique a  dor,  buscando um sentido  maior para o que aconteceu e/ou uma aliança de aprendizado.

Em    boa    parte    dos    casos,   pessoas que  sofreram  algum  tipo  de  trauma   tendem   a   fugir   das  recordações    do    que    ocorreu.   seguindo sua   linha   de   raciocínio,  essa   não seria  a  maneira  correta  de  agir?
Peres:  Muitas  pessoas  chegam  à  minha clínica com uma fala recorrente: “Doutor Julio, vou contar uma coisa que eu nunca falei para ninguém. Isso me aconteceu há muitos anos e continua me atormentando, cada vez mais”. A partir do processo terapêutico, ao verbalizar esses conteúdos traumáticos com  a  orientação  profissional, mesmo com dificuldades, o indivíduo vai se sentindo progressivamente melhor e, ao término do processo, outras falas são recorrentes: “Eu deveria ter procurado ajuda muito antes e não precisaria ter sofrido por tantos anos em silêncio”.
Em    traumas    parecidos,   as    pessoas tendem  a  ter  reações  semelhantes?
Peres:    Os    eventos    aparentemente idênticos nunca serão os mesmos  para  cada  um  de  nós,  que  os representaremos de maneira absolutamente peculiar, às nossas histórias, memórias, dinâmicas psíquicas e maneiras de representar e processar a vida. A teoria “resposta universal ao trauma”, que postulava comportamentos idênticos a situações traumáticas específicas, foi desconstruída há mais de 20 anos, a partir da observação dos componentes subjetivos que envolvem as respostas es- pecíficas a cada indivíduo perante certo evento traumático.

O  que   faz   algumas   pessoas   lidarem  melhor  com  a  tragédia  do  que outras? é correto  dizer  que  umas são   mais   suscetíveis   aos   traumas do  que  outras?
Peres:  Algumas  pessoas  podem  ser mais suscetíveis a determinadas situações potencialmente traumáticas, assim como mais resilientes a outras situações também potencialmente traumáticas. Outra vez, a especificidade e as histórias de cada indivíduo fazem diferença para a compreensão da resposta a essa pergunta. A resiliência, que é a capacidade de atravessar situações difíceis e  voltar à qualidade satisfatória de vida, não é um envelope fechado, que algumas pessoas têm e outras não. A psicoterapia pode ensinar os mecanismos de resiliência que ainda não foram conquistados pelo indivíduo traumatizado. Isso não significa que esse mesmo indivíduo não tenha resiliência para outras situações. E esses repertórios de autoeficácia e superação são valiosos durante o processo de construção do novo aprendizado para superação do trauma. É um hábito na minha clínica resgatar as situações anteriores de  superação  na  infância e na  adolescência  e  compreender com clareza as estratégias utilizadas com eficácia no passado, para que as mesmas possam ser lembradas, recuperadas ou mesmo aperfeiçoadas para superar a  presente  dificuldade. Por exemplo, lembrar como você venceu o medo de escuro, aprendeu a andar de bicicleta, enfrentou e superou situações pode trazer subsídios para os desafios atuais de superação. Assim como o ferro é resiliente ao fogo, mas  não  é  resiliente à  água, e o bambu é resiliente ao vento,  mas não é resiliente ao fogo, nós somos resilientes a algumas situações e podemos não ser resilientes a outras.

Não  só  a  morte  é  responsável  por traumas, que  podem  acompanhar  a vida   da   pessoa   até   a   idade   adulta. o preconceito  e  o  bullying  podem provocar sérios transtornos psicológicos.  como   isso   se   dá   na mente  da  pessoa?
Peres:   Todos   nós   necessitamos   e buscamos o acolhimento, o afeto, que também nos conferem o senti- mento agradável de pertencer a um grupo. As pessoas que eu tive a oportunidade de atender em minha clínica, com bullying associado a seus traumas, trouxeram sentimentos de inferioridade, tristezas profundas e raiva por todos os abusos, críticas ácidas e humilhações que sofreram. O bullying pode deixar traços mnêmicos traumáticos severos, relacionados a falsas crenças de não ser bom o bastante para estar no mundo.

E  do   ponto   de   vista   do   preconceituoso   ou   da   pessoa   que   pratica   o bullying, quais  os  mecanismos  psíquicos  que  a levam  a  isso? a vítima  e  o abusador  precisam  de  tratamento?
Peres:  Por  muitas  vezes,  a  tentativa de compensação inconsciente a esses sentimentos dolorosos perpetua o ciclo traumático. Em outras palavras, o indivíduo foi vítima no passado e agora se torna o algoz, repetindo as dinâmicas de humilhação, de violência, de críticas que ele próprio sofreu. Em outras palavras, o indivíduo traumatizado pode traumatizar outras pessoas, proliferando o sofri- mento ao invés de atenuá-lo.

Como  são  tratados  esses  traumas, os  tratamentos  psicológicos  sozinhos,  normalmente,  obtêm   os   resultados esperados?
Peres:  A  superação  de  vários  casos em psicoterapia se relaciona com o desenvolvimento de um estado ampliado de consciência e a quebra do ciclo traumático através do perdão (etimologia: perdonare), que significa a maior e melhor doação que você possa fazer, porque se liberta do sofrimento, libertando também o outro que a fez sofrer.

Em    que    medida    família    e    amigos influenciam  no  processo  de  trata- mento   dos   traumas?  eles   sempre ajudam  ou podem  atrapalhar?
Peres:  O  suporte  saudável  de  familiares e amigos é também muito importante no processo de superação traumática, especialmente quando essas pessoas suportam a angústia do silêncio. É importante simplesmente e calmamente estar ao lado, escutando o amigo ou familiar traumatizado com a acústica da alma, sem emitir opiniões, críticas ou conselhos imediatistas de supostas resoluções.

A  psicoterapia    é    a    solução    para superar  os  traumas?
Peres:  Sim.  A  psicoterapia  é  a  primeira linha de escolha terapêutica para tratamento de indivíduos com traumas psicológicos, conforme re- visões sistemáticas e meta-análises publicadas em periódicos científicos.

Existe  um  tempo  mínimo  ou  máximo que a pessoa consiga superar um trauma    ou    depende    da    condição psíquica  dela  e  do  nível  do  trauma que  a  atingiu?
Peres: O tempo de tratamento é vari- ável, e na minha experiência clínica, em média, oito meses são suficientes para a superação do trauma psicológico. Algumas pessoas concluem seus processos com poucos meses; outras requerem um ano ou mais, a depender da magnitude traumática, da estrutura psíquica e dos recursos cognitivos pessoais que cada uma apresenta.

Veja o artigo completo no link abaixo:
Psique – A natureza do trauma