Confusão Metal Aflorada
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ENLOUQUECIMENTO OU CONFUSÃO MENTAL TRANSITÓRIA DURANTE A PANDEMIA?
14 AÇÕES PARA SALVAR A SAÚDE MENTAL DE SUA FAMÍLIA
Dr Julio Peres, referência no Brasil como psicólogo clínico, especializado em superação, doutor e pós-doutorado em neurociências, levanta uma questão fundamental: o suposto enlouquecimento durante a pandemia e diagnósticos equivocados. Nesta entrevista ele ainda aponta 14 dicas preciosas para garantir a saúde mental de quem amamos.
– ALÉM DOS CONHECIDOS TRANSTORNOS ANSIOSOS E DEPRESSÃO QUAL FENÔMENO PSICOLÓGICO MAIS CHAMA SUA ATENÇÃO COMO CLÍNICO ATUALMENTE?
Nos dois últimos meses observei aumento significativo da procura de familiares, principalmente filhos de pessoas que estão supostamente “enlouquecendo” na quarentena. Chamou-me atenção esta queixa recorrente com características similares e disparadores associados à fase pandêmica. Portanto, devemos todos tomar muito cuidado com diagnósticos fechados precoces e potencialmente equivocados emitidos nesta fase, tais como Esquizofrenia, Transtorno Bipolar, Depressão Psicótica e Transtorno Delirante. O que possivelmente a maioria das pessoas que apresentam circunstancialmente estado confusional, desorganização comportamental, alucinações, delírios e persecutoriedade (crenças irrealistas geralmente associadas a pessoas e/ou grupos ameaçadores que planejam algo contra o indivíduo em sofrimento) são quadros deflagrados pelas condições de isolamento social e reversíveis (não duradouros) a partir das terapêuticas adequadas.
– TODAS AS QUEIXAS PSICOLÓGICAS ATUAIS SÃO CAUSADAS PELO ISOLAMENTO SOCIAL?
Não. É uma generalização equivocada considerar que todas as alterações da saúde mental do momento sejam decorrentes da pandemia. Contudo, mesmo constatando a predisposição individual para quadros depressivos, ansiosos e psicóticos, o isolamento social e seu amplo leque de difíceis ocorrências estão de fato desencadeando em muitas pessoas quadros não manifestos antes da quarentena. Assim como a configuração do Transtorno de Estresse Pós Traumático entre outros fatores envolve a freqüência e a intensidade dos eventos estressores, outros adoeceres psicológicos também estão correlacionados com a intensidade e freqüência de situações desafiadoras no âmbito psicológico para as quais as pessoas não estavam preparadas ao manejo saudável.
– QUAL O IMPACTO PSICOLÓGICO DE DEIXAR DE VIVER A VIDA “LÁ FORA” E FICAR CONFINADO?
Principalmente em centros urbanos, poucos estavam familiarizados com uma harmoniosa convivência íntima consigo mesmos, considerando suas vidas muito além da “correria” e dos afazeres práticos do dia-a-dia. As pessoas que tinham rotinas no “mundo externo” e consideravam as suas vidas definidas por suas atividades e trabalhos pragmáticos, sentiram-se inesperadamente roubadas de seus viveres a partir da quarentena. Esta terrível perda subjetiva da própria vida, combinada às inseguranças, incertezas e despreparo para construção de um nova maneira de viver consigo sem as referências previamente conhecidas, pode ser comparável ao que chamamos em Psicologia de Luto Patológico. Este sofrimento converge a perda de alguém, de algo, de valores e significados que definem o indivíduo, e é considerado por vários autores como a maior dor desestruturante que o ser humano possa experimentar. Assim, essas pessoas se desidentificam delas próprias e mostram grande dificuldade para reencontrarem suas identidades, considerando que elas não se reconhecem mais como eram, porque não fazem mais o que faziam. Os sintomas de estranhamento em relação as pessoas e ambientes familiares simbolizam a perda do “fio da meada” que conduzia o indivíduo a sua identidade pessoal.
– COMO OS FAMILIARES PODEM AJUDAR AQUELE QUE PARECE ESTAR ENLOUQUECENDO?
É minha responsabilidade como psicólogo clínico trazer este importantíssimo tema recorrente do suposto enlouquecimento à tona. Meu objetivo é orientar famílias que vivenciam o profundo sofrimento e assistem de maneira impotente o adoecimento mental de um ente querido. Alguém que não mais se reconhece como era antes da quarentena.
Seguindo estas 14 orientações, podemos ajudar significativamente uma pessoa em confusão mental transitória:
1) Consulte dois profissionais experientes da Saúde Mental, um psiquiatra e um psicólogo, que considerem as variáveis circunstanciais da pandemia para que diagnóstico e tratamentos psicoterapêutico e medicamentoso sejam assertivos. Estudos clínicos sobre a retomada do equilíbrio mental mostram que a combinação entre psicoterapia e medicamentos surtiu significativos melhores resultados em comparação a outros grupos controles;
2) Seja a sua melhor versão no relacionamento com a pessoa que sofre. Nós todos temos neurônios-espelho e podemos tanto influenciar as pessoas como sermos influenciados por elas. Cultive especialmente a paciência, a compaixão e a generosidade. Fale e repita suas respostas às perguntas de quem sofre quantas vezes forem necessárias de maneira respeitosa, calma e amorosa mesmo que ele(a) esteja ou continue agitado(a). As virtudes estiveram significativamente relacionadas ao crescimento pós-traumático e os exemplos saudáveis dos próximos mais próximos foram de grande importância nestes processos de superação;
3) Cuide tanto quanto possível das bases fisiológicas do bem-estar: sono preservado, alimentação nutritiva, atividade física moderada com o peso do próprio corpo. Assim, estas bases ajudam a retomada da Saúde Mental, ao invés de corroborar com adoecimento. Geralmente a confusão mental acompanha agitação e ansiedade, enquanto o ritmo interno mais tranquilo favorece processamentos cognitivos claros e coerentes. Práticas suaves contemplativas e sensoriais, como ouvir músicas tranquilas, ampliar o banho confortável, respirar com calma, relaxamento, etc., que favoreçam o tranquilizar dos ritmos internos – frequências respiratória, cardíaca e cerebral – são igualmente importantes para retomada da Saúde Mental no dia-a-dia;
4) Procure conectar o ente querido em confusão mental com afazeres simples ou manuais conhecidos de maneira que ele(a) possa reconhecer novamente suas habilidades pessoais e observar “concretamente” no mundo físico as suas produções;
5) Solicite aos familiares e amigos que gravem vídeos curtos sobre o que eles admiram na pessoa que sofre, de maneira que ele(a) possa lembrar de suas qualidades, talentos e capacidades ressaltados pelas pessoas que realmente o(a) conhecem;
6) Resgate memórias emocionais agradáveis, passagens mais gratificantes da infância, da adolescência e da idade adulta. Nossas memórias nos definem e as lembranças dos bons momentos reconectam o indivíduo a sua autobiografia e identidade. Apenas boas memórias devem ser estimuladas;
7) O confinamento em um mesmo ambiente físico por muito tempo converge para o espelhamento das projeções distorcidas e confusas do ente querido. Respeitando os cuidados pertinentes ao distanciamento social, leve a pessoa que sofre a locais que ele(a) gosta ou gostava de frequentar e ao encontro de pessoas com as quais gosta ou gostava de conviver antes da quarentena como estratégias psicológicas para reestabelecimento do elo com os afetos positivos e dados de realidade;
8) Evite notícias e eventos estressores tanto quanto possível e favoreça o contato do ente que sofre com hobbies, assim como as expressões prazerosas mais destacadas – músicas, programas, filmes, pratos preferidos -, do passado próximo ou distante;
9) Compartilhe fatos simples sobre o que está acontecendo e forneça informações claras realistas com o objetivo de desconstruir as falsas crenças que “atormentam” o ente querido em confusão mental. Geralmente os enredos das confusões mentais se relacionam com os temores e traumas do passado. Verbalize frases curtas, convictas, imbuídas de afeto e conforto repetidas vezes sempre que a inquietude aflorar (ex.: você está seguro… tudo está bem e assim continuará…);
10) Favoreça outras possibilidades de expressões além da verbal, inclusive artísticas, que possam representar as percepções confusas do familiar que sofre, de maneira que você possa conversar a respeito e representar com a mesma estratégia (por exemplo um desenho) as referências saudáveis, realistas e atuais que promovam a desconstrução das falsas crenças;
11) Procure sensibilizar o humor por meio de comédias, passagens engraçadas do passado, boas piadas, vídeos disponíveis com pessoas sorrindo (contágio de comportamento saudável) de maneira que as endorfinas sejam segregadas, conferindo sensações agradáveis que convidam a retomada gradativa do bem-estar;
12) Evite o uso de substâncias psicoativas lícitas (inclusive café e chás com cafeína) que estimulam o sistema nervoso central, auto medicação (medicamentos para dormir em dosagens erradas podem causar toxidade e delírios) e qualquer tipo de droga;
13) Atualmente, centenas de estudos mostram que a espiritualidade e a religiosidade na maioria das vezes impacta positivamente a Saúde Mental. Caso a religiosidade e a espiritualidade sejam provedoras de conforto, amparo e bem-estar para quem sofre, a prática da oração e outras dentro deste escopo também serão bem-vindas;
14) Muitas pessoas bem intencionadas não colaboram e por desconhecimento cometem erros contraproducentes como críticas, tom de voz ríspido, conflitos, etc… que devem ser evitados. As informações reais que contrapõem as falsas crenças devem ser trazidas sem preconceitos, com tranquilidade e paciência. Uma rede de apoio social bem orientada sobre como ajudar é muito importante. Oriente os familiares e cuidadores que ajam de maneira uníssona ou pelo mesmo semelhante conforme as orientações acima.
Para saber mais: julioperes.com.br e WhatsApp 11 97572-1848.
Saúde Mental em Tempos de Isolamento Social
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Palestra sobre Fobias com neurocientista Julio Peres
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A natureza do trauma psicológico é imensamente subjetiva.
O psicólogo Julio Peres, especialista em superação, ressalta que as memórias traumáticas são prevalentes em muitos outros transtornos, como depressão, fobias específicas, pânico e ansiedade generalizada.
Os eventos traumáticos atingem grande parte da população e o mais surpreendente é que alguns estudos epidemiológicos revelam que a maioria das pessoas já passou ou passará por episódios potencialmente traumáticos. Sendo assim, como lidar com essas situações?
De acordo com Julio Peres, psicólogo clínico, doutor em Neurociências e Comportamento e especialista em superação traumática, “o trauma psicológico se caracteriza por um afluxo de excitações relativamente superior à capacidade do indivíduo de processar e elaborar esses conteúdos, que ficam dispersos em fragmentos sensoriais, emocionais e cognitivos, causando imenso sofrimento”.
Peres explica que é fundamental ter em mente que a natureza do trauma psicológico é imensamente subjetiva, indo além do fato em si. “O indivíduo vivencia o imponderável, o efeito surpresa, sem representações para signifi car o episódio ocorrido”, ressalta.
O psicólogo também se dedicou a estudos que investigaram os efeitos neurobiológicos da Psicoterapia através da neuroimagem funcional
(Psychological Medicine, 2007, e Journal of Psychiaric Research, 2011), além de ser pesquisador do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Proser) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
O que tragédias ou traumas podem trazer à mente da pessoa a curto e longo prazos?
Peres: São inúmeros os tipos de eventos traumáticos que afetam grande parte da população. Estudos epidemiológicos revelam que a maioria de nós passou ou passará por episódios potencialmente traumáticos. O trauma psicológico se caracteriza por um afluxo de excitações relativamente superior à capa- cidade do indivíduo de processar e elaborar esses conteúdos, que ficam dispersos em fragmentos sensoriais, emocionais e cognitivos, causando imenso sofrimento. Os principais traumas que observo em minha clínica são decorrentes de desajustes familiares, desamparo, acidentes, sequestro, violência, abuso sexual, enfermidades, traições, injustiças, conflitos interpessoais, perdas de entes queridos, entre outros. Contudo, o que pode ser um evento traumático para uma pessoa não necessariamente será para outra, e o despreparo em relação a essas representações subjetivas pode caracterizar o evento estressor como um trauma psico- lógico. Devemos nos lembrar que a natureza do trauma psicológico é imensamente subjetiva, indo além do fato em si. O indivíduo vivencia o imponderável, o efeito surpresa, sem representações e recursos para significar o episódio ocorrido.
Os traumas de infância sempre ficam até a fase adulta?
Peres: Os traumas psicológicos podem trazer diversos sintomas, especialmente divididos em dois grupos. Primeiro, reações de alerta, com expressões adrenérgicas, como se o risco do trauma estivesse por
acontecer a qualquer momento. Os sintomas mais frequentes são irritabilidade, insônia, medo contínuo, sensações de vulnerabilidade, picos de ansiedade, entre outras expressões de excitação neuroautonômica. Segundo, expressões dissociativas relacionadas à maior atividade do sistema parassimpático. O indivíduo manifesta imobilidade tônica, como se estivesse anestesiado, embota- mento afetivo, dificuldades de estabelecer vínculos, isolamento, tristeza, entre outros sintomas. A infância é um período especialmente delicado, com extrema vulnerabilidade ao trauma psicológico, porque a criança ainda não desenvolveu suas habilidades cognitivas para categorizar e classificar eventos emocionais e sensoriais. Tais traumas nessa fase, quando não tratados, reverberam na adolescência, na idade adulta e na terceira idade, enquanto as emoções e sensações dolorosas permanecerem como fragmentos dispersos sem representações para o que ocorreu.
Toda a dificuldade em lidar com o trauma pode ser traduzida como estresse pós-traumático?
Peres: Não. Nem todas as pessoas traumatizadas preenchem os critérios diagnósticos do transtorno de estresse pós-traumático.
O medo é essencialmente causa ou consequência do trauma?
Peres: O medo figura entre as cinco emoções básicas e pode ser saudável ou patológico. A maioria das pessoas traumatizadas não preenche os critérios de qualquer transtorno psiquiátrico, mas apresenta sintomas específicos também associados ao medo que geram imenso sofrimento e limitações diárias. Vale lembrar que as memórias traumáticas são prevalentes em muitos outros transtornos, como as fobias específicas, o pânico, a ansiedade generalizada, a depressão, entre outros. A expressão saudável dessa emoção nos permite avaliar riscos de maneira adaptativa, protege-nos de situações ameaçadoras e nos permite viver bem. Por outro lado, a expressão patológica do medo é decorrente de traumas psicológicos. As pessoas generalizam os eventos como se esses pudessem ser cópias ameaçadoras do trauma, sendo assim um mecanismo que visa a proteção, porém “desadaptativo” (não atualizado ao contexto presente), que, ao invés de ajudar, promove sofrimento.
Quando se fala em trauma, muitas pessoas logo associam à morte. e a relação da criança com esse evento na maioria das vezes não é fácil. o que responder a uma criança quando ela indaga para onde vai um parente querido de- pois de morrer?
Peres: É muito importante que o sistema de crenças da família seja respeitado e que a comunicação em relação à morte do ente querido para a criança tenha um caráter simples, claro e objetivo.
Como trabalhar a questão da ausência e da saudade com a criança?
Peres: É importante favorecer as diversas representações desses sentimentos, através de desenhos, expressões artísticas, conversas, jogos e mesmo brincadeiras leves com as crianças, que perderam entes queridos. Os adultos não devem negar ou suprimir as expressões de saudade ou tristeza ou falta da criança em relação ao ente querido. Ao contrário do que muitos adultos pensam, as crianças têm maior facilidade de processamento das informações relacionadas às mortes desde que as mesmas sejam coerentes entre os conteúdos verbais expressados e os sentimentos manifestos. Nesse sentido, as crianças poderão lidar com da- dos de realidade e significar a falta, ao invés de criar mecanismos ilusórios, ou de supressão dos sentimentos ou mesmo dissociação, característicos do luto patológico.
Há crianças que querem saber quanto tempo ela tem para ficar triste, ou seja, ela quer saber quando vai poder voltar à normalidade da vida?
Peres: Os adultos assim como as crianças não precisam ter pressa para que a tristeza passe. O luto saudável, também para as crianças, envolve o ponto de equilíbrio entre o atravessar a tristeza sem cultivá-la ou mesmo incentivá-la.
Caso a criança demonstre vontade de ter fotos da pessoa que morreu, como se deve proceder? uma linha de pensamento defende que isso não é bom, pois dificulta a superação da perda. no entanto, outra corrente acredita que isso é bom, pois, de certa forma, tranquiliza a criança e a faz ficar mais próxima da pessoa que perdeu. qual sua posição?
Peres: As demandas das crianças de- vem ser atendidas pelos adultos. É fundamental lembrar que o desejo e o ritmo da criança devem ser respeitados pelos adultos. E assim os pro- cessamentos saudáveis terão o lugar de equilíbrio e harmonia para a criança. Caso haja o desejo da criança ver imagens, vídeos do ente querido que faleceu, os adultos devem prover esses conteúdos de maneira que a criança possa continuar o seu processamento de luto saudável. Por outro lado, vários estudos revelam que o silêncio amplifica a dor e o sofrimento.
De acordo com o tema do seu dou- torado, a ideia de que falar a respeito de traumas auxilia na superação. como chegou a essa conclusão?
Peres: Observamos há muitos anos na prática clínica que expressar a dor, significá-la para, em seguida, conseguirmos ressignificar o sofri- mento como um aprendizado que nos fortalece, é fundamental no pro- cesso de superação traumática. Falar, contar e recontar a história traumática com a perspectiva resiliente envolvem aquisição de aprendiza- dos que tornam a vida ainda melhor do que foi antes do trauma acontecer. Nós estudamos e continuamos pesquisando os efeitos neurobiológicos da psicoterapia, que são, em resumo: após a psicoterapia observamos maior atividade do córtex pré-frontal, relacionado à categorização e à classificação dos eventos, e menor atividade do cérebro límbico emocional, em especial da amígdala, relacionada à expressão do medo. De fato, o silêncio não é o melhor caminho a seguir. Contudo, o que observamos em nossos estudos e na prática clínica é que não basta simplesmente falar sobre a dor.
É preciso, em um primeiro mo- mento, expressá-la com as palavras possíveis ao indivíduo. Mas, em um segundo momento, é necessário que o indivíduo ressignifique a dor, buscando um sentido maior para o que aconteceu e/ou uma aliança de aprendizado.
Em boa parte dos casos, pessoas que sofreram algum tipo de trauma tendem a fugir das recordações do que ocorreu. seguindo sua linha de raciocínio, essa não seria a maneira correta de agir?
Peres: Muitas pessoas chegam à minha clínica com uma fala recorrente: “Doutor Julio, vou contar uma coisa que eu nunca falei para ninguém. Isso me aconteceu há muitos anos e continua me atormentando, cada vez mais”. A partir do processo terapêutico, ao verbalizar esses conteúdos traumáticos com a orientação profissional, mesmo com dificuldades, o indivíduo vai se sentindo progressivamente melhor e, ao término do processo, outras falas são recorrentes: “Eu deveria ter procurado ajuda muito antes e não precisaria ter sofrido por tantos anos em silêncio”.
Em traumas parecidos, as pessoas tendem a ter reações semelhantes?
Peres: Os eventos aparentemente idênticos nunca serão os mesmos para cada um de nós, que os representaremos de maneira absolutamente peculiar, às nossas histórias, memórias, dinâmicas psíquicas e maneiras de representar e processar a vida. A teoria “resposta universal ao trauma”, que postulava comportamentos idênticos a situações traumáticas específicas, foi desconstruída há mais de 20 anos, a partir da observação dos componentes subjetivos que envolvem as respostas es- pecíficas a cada indivíduo perante certo evento traumático.
O que faz algumas pessoas lidarem melhor com a tragédia do que outras? é correto dizer que umas são mais suscetíveis aos traumas do que outras?
Peres: Algumas pessoas podem ser mais suscetíveis a determinadas situações potencialmente traumáticas, assim como mais resilientes a outras situações também potencialmente traumáticas. Outra vez, a especificidade e as histórias de cada indivíduo fazem diferença para a compreensão da resposta a essa pergunta. A resiliência, que é a capacidade de atravessar situações difíceis e voltar à qualidade satisfatória de vida, não é um envelope fechado, que algumas pessoas têm e outras não. A psicoterapia pode ensinar os mecanismos de resiliência que ainda não foram conquistados pelo indivíduo traumatizado. Isso não significa que esse mesmo indivíduo não tenha resiliência para outras situações. E esses repertórios de autoeficácia e superação são valiosos durante o processo de construção do novo aprendizado para superação do trauma. É um hábito na minha clínica resgatar as situações anteriores de superação na infância e na adolescência e compreender com clareza as estratégias utilizadas com eficácia no passado, para que as mesmas possam ser lembradas, recuperadas ou mesmo aperfeiçoadas para superar a presente dificuldade. Por exemplo, lembrar como você venceu o medo de escuro, aprendeu a andar de bicicleta, enfrentou e superou situações pode trazer subsídios para os desafios atuais de superação. Assim como o ferro é resiliente ao fogo, mas não é resiliente à água, e o bambu é resiliente ao vento, mas não é resiliente ao fogo, nós somos resilientes a algumas situações e podemos não ser resilientes a outras.
Não só a morte é responsável por traumas, que podem acompanhar a vida da pessoa até a idade adulta. o preconceito e o bullying podem provocar sérios transtornos psicológicos. como isso se dá na mente da pessoa?
Peres: Todos nós necessitamos e buscamos o acolhimento, o afeto, que também nos conferem o senti- mento agradável de pertencer a um grupo. As pessoas que eu tive a oportunidade de atender em minha clínica, com bullying associado a seus traumas, trouxeram sentimentos de inferioridade, tristezas profundas e raiva por todos os abusos, críticas ácidas e humilhações que sofreram. O bullying pode deixar traços mnêmicos traumáticos severos, relacionados a falsas crenças de não ser bom o bastante para estar no mundo.
E do ponto de vista do preconceituoso ou da pessoa que pratica o bullying, quais os mecanismos psíquicos que a levam a isso? a vítima e o abusador precisam de tratamento?
Peres: Por muitas vezes, a tentativa de compensação inconsciente a esses sentimentos dolorosos perpetua o ciclo traumático. Em outras palavras, o indivíduo foi vítima no passado e agora se torna o algoz, repetindo as dinâmicas de humilhação, de violência, de críticas que ele próprio sofreu. Em outras palavras, o indivíduo traumatizado pode traumatizar outras pessoas, proliferando o sofri- mento ao invés de atenuá-lo.
Como são tratados esses traumas, os tratamentos psicológicos sozinhos, normalmente, obtêm os resultados esperados?
Peres: A superação de vários casos em psicoterapia se relaciona com o desenvolvimento de um estado ampliado de consciência e a quebra do ciclo traumático através do perdão (etimologia: perdonare), que significa a maior e melhor doação que você possa fazer, porque se liberta do sofrimento, libertando também o outro que a fez sofrer.
Em que medida família e amigos influenciam no processo de trata- mento dos traumas? eles sempre ajudam ou podem atrapalhar?
Peres: O suporte saudável de familiares e amigos é também muito importante no processo de superação traumática, especialmente quando essas pessoas suportam a angústia do silêncio. É importante simplesmente e calmamente estar ao lado, escutando o amigo ou familiar traumatizado com a acústica da alma, sem emitir opiniões, críticas ou conselhos imediatistas de supostas resoluções.
A psicoterapia é a solução para superar os traumas?
Peres: Sim. A psicoterapia é a primeira linha de escolha terapêutica para tratamento de indivíduos com traumas psicológicos, conforme re- visões sistemáticas e meta-análises publicadas em periódicos científicos.
Existe um tempo mínimo ou máximo que a pessoa consiga superar um trauma ou depende da condição psíquica dela e do nível do trauma que a atingiu?
Peres: O tempo de tratamento é vari- ável, e na minha experiência clínica, em média, oito meses são suficientes para a superação do trauma psicológico. Algumas pessoas concluem seus processos com poucos meses; outras requerem um ano ou mais, a depender da magnitude traumática, da estrutura psíquica e dos recursos cognitivos pessoais que cada uma apresenta.
Veja o artigo completo no link abaixo:
Psique – A natureza do trauma
Entrevista CNN – Bom humor faz a diferença em momentos de crise.
A pandemia causada pelo novo coronavírus mudou a rotina das pessoas. Isolamento social, medo, incerteza com o futuro e mudança no ritmo das relações sociais são alguns dos fatores que podem culminar em transtornos como depressão e ansiedade.
Em entrevista à CNN, o psicólogo Júlio Peres defendeu que o sorriso é o melhor remédio para lidar com a crise, e listou dicas de como preservar a saúde mental nesses momentos críticos.
Peres também reforça a importância de se manter uma rotina diária durante o isolamento, o que pode trazer mais tranquilidade mental. “É muito importante que a pessoa dê sequência ao dia dela, pois o que gera a ansidadade é a mesmice. É como se todos os dias fossem iguais, e eles não são. Eles podem ser especiais.”
Ações positivas
O psicólogo sugeriu uma lista de ações que, de forma geral, auxiliam as pessoas a viverem o presente e a dar uma pausa nos pensamentos automatizados e negativos. Confira as sete medidas propostas pelo especialista:
Converse online com dois grupos diferentes de pessoas — Atitude ajuda a ventilar ideias novas e faz sair da zona de conforto e negatividade
Valorize a sua expressão artística — Estas servem para distrair e quebrar pensamentos automatizados que causam exaustão.
Transpire — Faça exercícios com o peso do próprio corpo e estimule o suor; auxilia na liberação da endorfina.
Evite filmes que geram mais estresse — O psicólogo orienta para que não se assista a filmes de drama, policiais e que geram tensão. Comédia é o gênero mais indicado.
Cultive práticas medicativas e contemplativa — Estimule o autoconhecimento e a meditação corporal.
Mantenha-se útil –Crie rotinas, trabalhe mesmo no isolamento e “pense fora da caixa” para estimular ideias criativas.
Cultive a espiritualidade — Segundo o especialista, a fé estimula a positividade e a tranquilidade mental. A religiosidade deve ser estimulada, respeitando o seu sistema de crenças.