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Lucinha Araújo e os caminhos para superação do trauma da perda

Hoje, dia 07 de julho, completa-se 25 anos da morte de Cazuza. O cantor faleceu de complicações em decorrência da AIDS aos 32 anos. Sua mãe Lucinha Araújo, mesmo sofrendo com a dor da perda, não se deixou abater e em nome do filho criou a Sociedade Viva Cazuza. A ONG presta assistência a crianças que foram abandonadas por estarem contaminadas pelo HIV.
O Dr. Julio Peres cita em seu livro Trauma e Superação, o exemplo de Lucinha, que criou um novo projeto de vida e tornou a própria experiência dolorosa em um veículo de propagação do bem favorecendo assim superação do trauma da perda.

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Resenha Trauma e Superação

Resenha Trauma e Superação REVISTA DE PSICOLOGIA USP 2011

A experiência do autor como psicoterapeuta permeia todo o trabalho relatado neste livro. A visão da necessidade do desenvolvimento da prática clínica, não só com conhecimento técnico, mas com conhecimento científico, resulta em um texto com achados científicos relevantes. No decorrer do livro apresenta os possíveis  métodos de investigação em psicoterapia, bem como a dificuldade de se fazer pesquisa nesta área. A psicoterapia baseada em evidências é um movimento ainda em expansão, e Júlio vai de encontro a essa corrente. Esta preocupação é relevante, não só para ensaios clínicos, mas principalmente para o terapeuta em seu consultório, que possa usar tecnologia de ponta para atender à comunidade.

Tendo em vista que o foco do livro é Trauma e superação, todas as colocações são em cima do tema e principalmente do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). A superação, segundo o autor, se dá sobre dois pilares – Psicoterapia e Espiritualidade.

Leia a Resenha completa.

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As várias faces do trauma psicológico

Especialização alerta para a necessidade de atenção ao tratamento correto de enfermidades decorrentes de traumas psicológicos. 

Síndrome de fadiga crônica, síndrome de intestino irritável, cefaléia crônica, fibromialgia, desordem da articulação temporomandibular, depressão, pânico e abuso de substâncias psicoativas. Em que grau essas condições são somatizações de eventos traumáticos?

Indivíduos com trauma psicológico podem apresentar transtornos somatoformes (sintomas físicos desencadeados pelo psiquismo) como dor de cabeça, gastrite, alergias, palpitações e com freqüência são subdiagnosticados pela desinformação sobre os possíveis impactos do trauma na saúde e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). As múltiplas expressões secundárias ao trauma diminuem as chances para o diagnóstico assertivo ocorrer, enquanto quadros mais conhecidos como a depressão, enxaqueca, são diagnosticados.

Segundo os professores do Curso de Especialização…., Dra Gisela, Alcina, Dr. Julio Peres, a perda de entes queridos, abortos, acidentes, separação conjugal, assalto, violência sexual, hospitalização, mudanças drásticas de vida, conflitos familiares podem precipitar o TEPT, e ainda triplicar a probabilidade para emersão de outros transtornos e/ou queixas somáticas.

“Quadros como fadiga crônica, síndrome de intestino irritável, cefaléia crônica, fibromialgia, desordem da articulação temporomandibular, depressão, pânico e abuso de substâncias psicoativas estiveram significativamente relacionados com eventos traumáticos. Os traumas psicológicos podem também influenciar o isolamento social, a tristeza, a auto-depreciação, alterações da crítica e do julgamento, sem que as pessoas em questão caracterizem necessariamente um transtorno.

Uma investigação mais criteriosa deve iluminar possíveis ocorrências traumáticas anteriores a emersão dos sintomas e suas respectivas relações etiológicas. Se as causas não forem tratadas nessas pessoas, as queixas em geral se tornam crônicas com severo prejuízo da qualidade de vida. A psicoterapia de indivíduos traumatizados envolve o trabalho com as crenças e diálogos internos, que por um lado podem exacerbar o sofrimento com a autopiedade, desamparo, autovitimização e autodepreciação, e por outro, podem realçar as capacidades de enfrentamento e superação.

“A primeira linha terapêutica ao trauma psicológico é a psicoterapia e o tratamento adequado precoce pode evitar a configuração do TEPT e o deslocamento de sintomas para expressões somáticas”, alertam os professores do Curso de Especialização.

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A Superação do Medo de Viajar de Avião

O que diferencia o medo de voar de avião de uma fobia? Como essa fobia pode afetar quem a possui e atrapalhar sua rotina?

O medo de viajar de avião geralmente não impede o indivíduo de fazer suas viagens, a despeito do desconforto. Contudo, o medo pode às vezes evoluir para uma fobia, considerada como um Transtorno de Ansiedade, cuja causa é multifatorial. Fatores genéticos, neuroquímicos, socioculturais, tipo de personalidade e eventos de vida como traumas psicológicos estão envolvidos no surgimento das Fobias. As viagens de avião são freqüentes e necessárias no mundo atual pelas oportunidades ao desenvolvimento profissional, cultural e de lazer oferecidas por esse seguro meio de transporte. Muitas pessoas perdem oportunidades de emprego e de lazer com a família pela limitação que a fobia de viajar de avião impõe. Outras pessoas com a mesma fobia se desgastam com sofrimento expressivo durante suas viagens de rotina abortando por vezes a prosperidade profissional. Várias pessoas buscam o tratamento da fobia de viajar de avião quando percebem que estão prejudicando a si mesmos com o uso abusivo do álcool ou de tranqüilizantes, ou a família, também privada de viajar.

Por que apesar de números e pesquisas mostrarem que o avião é um dos veículos mais seguros, as pessoas continuam tendo tanto medo de voar?

As fobias se desenvolvem geralmente por processamentos emocionais subjetivos que não são necessariamente “racionais”. Todos temos a capacidade de generalizar, e sem ela não sobreviveríamos. Já superamos inúmeros desafios na infância, adolescência e idade adulta, como dormir em quarto separado dos pais, fazer provas difíceis na escola ou faculdade, aprender a andar de bicicleta ou dirigir, confrontar uma situação desconhecida, etc. A faculdade da generalização permite a construção de aprendizados associativos ao longo desenvolvimento humano (por exemplo, se consegui subir um degrau da escada, conseguirei subir o segundo, além de vencer outros desafios similares). A mesma generalização atua nas fobias decorrentes de eventos em que o indivíduo experimentou expressivo medo, como um sistema que visa preservar a sobrevivência. Nesse sentido as emoções superpõem à razão e as áreas límbicas são mais atuantes que as áreas envolvidas em processos de racionalização. Contudo, não somos reféns de nosso cérebro emocional e podemos modificar esse estado de temor, como já evidenciamos em nossos estudos com neuroimagem (Psychological Medicine, 2007 e Journal of Psychiatric Research, 2010) que demonstraram os efeitos neurobiológicos da superação durante a psicoterapia. Os diálogos internos (a maneira que processamos os eventos) podem gerar a neuroquímica da saúde, ou do sofrimento. O psiquismo é muito ágil, mas precisa de orientação para trabalhar a nosso favor.

Que influência as grandes tragédias com aviões têm sobre o medo das pessoas?

A influência dos noticiários sobre as grandes tragédias com aviões pode ser expressiva porque a percepção das informações que nos chegam é imensamente projetiva, isto é: o funcionamento do cérebro nos permite ver ou perceber o que conhecemos e acreditamos ser possível, e assim tendemos a nos identificar com o que percebemos. Em outras palavras: nossa percepção do mundo busca uma reflexão no espelho de nossas memórias. Fomos condicionados a acreditar que o mundo externo é mais real que o interno. Estudos contemporâneos apontam outras perspectivas. O que acontece dentro de nós é que vai criar o que “acontece fora” em nossas relações com o mundo. As pessoa com experiências prévias de temor relacionado a morte, e muito de nós as temos, podem condensar as informações de tragédias ao próprio repertório e agravarem o medo de morrer. Os neurônios-espelho, descobertos recentemente pela Neurociência, participam ativamente desse processo em que experimentamos a empatia, reconhecemos os referenciais de outros indivíduos e os fundimos às nossas vivências, favorecendo a geração de comportamentos similares aos que observamos. Contudo, as grandes tragédias não influenciam a todos e o diferencial é a identificação ou não com o evento observado.

Existe alguma relação entre memória e medo?

A memória apresenta o curioso fenômeno de estado-dependência, isto é, podemos nos recordar de experiências com a apresentação de “dicas” alinhadas a esses aprendizados. Por isso, frequentemente durante uma refeição num restaurante, outros restaurantes e refeições são lembrados. Ao sentir um perfume específico, como o de um bolo que a avó fazia na infância, as memórias daquele período vêm à tona. O mesmo acontece, porém de maneira mais intensa, com indivíduos traumatizados: lugares, circunstâncias, sensações etc., associados ao trauma podem disparar a memória do evento e mecanismos de alerta como se a situação traumática estivesse acontecendo ou por acontecer. Muitas vezes, tais dicas se tornam distantes do que de fato ocorreu e, mesmo assim, com e generalização subjetiva e inconsciente, as memórias do trauma são disparadas. Vale exemplificar: durante a psicoterapia observamos que um paciente sofrera uma queda traumática do muro de sua casa aos 12 anos de idade, com fraturas expostas e 2 meses penosos de hospitalização. Uma sensação similar de “frio na barriga” foi experimentada aos 17 anos durante um vôo e inconscientemente a associação de perigo foi estabelecida com as viagens de avião. Pedi então que o paciente construísse uma nova associação com o que ele chamava de frio na barriga, agora agradável, por meio de saltos cada vez mais altos e divertidos numa cama elástica profissional. Em seguida, o paciente brincou com sua esposa e filho em montanhas russas e assim, pouco a pouco, o “frio na barriga” foi associado ao bem-estar e divertimento. Além de superar o seu medo de viajar de avião, hoje aos 42 anos ele se diverte em ocasiões de turbulência nos vôos com “frio na barriga”. Frequentemente, pessoas fóbicas que não localizam a lembrança do evento desencadeador. A identificação de tais processos associativos durante a psicoterapia nem sempre é imediata, especialmente quando estão envolvidas memórias complexas que abrangem outras memórias e, portanto, outras redes associativas.

É possível aprender a ser corajoso e superar o medo de viajar de avião?

O diálogo entre o medo e a coragem está presente em muitas expressões artísticas, como pinturas, esculturas e peças literárias, que retratam assertivamente a coexistência entre essas duas aparentes polaridades. A despeito da crença de que uma condição exclui a outra prevalecer ao senso comum, a coragem envolve vários aspectos e não é um pacote fechado que alguns tem e outros, assim como o medo. Na prática, se você tem medo, isso não significa que você não tenha coragem, ou vice-versa. Coragem tem em sua raiz o significado “ato do coração”. Considero que ser corajoso inclui responsabilidade e integridade alinhadas ao desenvolvimento e à prosperidade pessoal; envolve estar consciente das ameaças e resolver problemas usando discernimento e capacidades para atender as necessidades pessoais e também do entorno. A coragem sem o medo pode ser desastrosa e mal sucedida. Portanto, o aprendizado e o cultivo da coragem podem ocorrer a partir do controle gradativo das variáveis temerosas, do conhecimento real das motivações pessoais e do porquê de enfrentar a adversidade. O conhecimento, a prudência, o ânimo e a paciência para o enfrentamento bem-sucedido são importantes preditivos de atos do coração, ou corajosos.

Quando é preciso procurar tratamento?

Deve-se recorrer à psicoterapia quando o sofrimento for expressivo a ponto de limitar a vida diária, ou provocar outros problemas de ordem familiar e/ou profissional.

Como a psicoterapia pode ajudar?

O temor de viajar de avião pode ter distintas origens. É preciso investigar a raiz do medo, para que o processo terapêutico seja eficaz. A psicoterapia busca dissecar e trabalhar as associações estabelecidas entre eventos traumáticos e os respectivos sistemas de crenças que geram os comportamentos fóbicos. Os efeitos terapêuticos podem ser, em boa parte, decorrentes do “aprendizado de extinção”, que estabelece novas e saudáveis respostas mediante ao estimulo que causava medo. É um processo ativo de aprendizado pelo qual o indivíduo organiza sua cognição com experiências gradativas de enfrentamento consciente uma nova associação saudável em detrimento da anterior. A psicoterapia pode promover aprendizados e novas associações que refletem, muitas vezes, a extinção. As terapias baseadas na exposição (imaginária e in vivo) estão alinhadas aos mesmos princípios. Fernando Sabino nos ensina poeticamente o que é o aprendizado de extinção: Façamos da interrupção um caminho novo… Da queda, um passo de dança… Do medo, uma escada… Do sonho, uma ponte… Da procura, um encontro!

Acreditar em Deus ajuda?

Sim, acreditarem um Deusprovedor, que tudo assiste, ajuda, em especial quando ocorre o que chamamos de Entrega Religiosa Ativa (fazendo o que é possível quanto às responsabilidades pessoais e colocando o resto nas mãos de Deus). Crenças e práticas religiosas podem reduzir a sensação de perda do controle e de desamparo relacionadas ao medo, podem fornecer uma estrutura cognitiva capaz de diminuir o sofrimento e, ainda, fortalecer o indivíduo para o enfrentamento de suas dificuldades. Hoje, centenas de artigos científicos revelam o impacto positivo (na maioria das vezes) da espiritualidade e da religiosidade na saúde. Apenas 7% da população brasileira não têm religião e, portanto, muitas pessoas podem fortalecer sua confiança subjetiva (ou fé) baseada em suas crenças como um recurso adicional para superação do medo de viajar de avião.

Tem alguma dica para quem tem medo, mas precisa voar?

A auto-indução de relaxamento com foco na respiração tranqüila apoiada por pensamentos de superação (ex: Eu me sinto tranqüilo e seguro… Tudo está bem agora e assim continuará… Sou capaz e supero a mim mesmo…) também ajuda. A explicação é simples: quando hiperventilamos (respiração ofegante, ansiosa) provocamos alterações do oxigênio na corrente sanguínea, favorecendo progressiva confusão mental e como decorrência, exacerbação do medo. Por outro lado, quando mantemos a respiração tranqüila nos sentimos mais seguros, confiantes e com o controle preservado. Enfatizo também aos meus pacientes que nós construímos sobre o que temos e não sobre o que nos falta, e por isso, o processo terapêutico envolve o resgate das memórias de superação e auto-eficácia. Uma boa dica é resgatar o repertório de vitórias (conquistas de objetivos no campo familiar, profissional, escolar, esportivo, etc.) em outros períodos da vida. Tais lembranças podem mobilizar novas associações para o fortalecimento da auto-imagem corajosa e vencedora. Por exemplo, certa vez um paciente lembrou-se de como ele superou o medo de escuro na infância e a mesma estratégia o ajudou a superar o medo de viajar de avião: “enfrentei o escuro passo a passo, acendendo e apagando a luz do meu quarto. Eu me convenci que o meu quarto continuava em ordem quando apagava a luz, até que consegui dormir no escuro sentindo que tudo estava bem”. Consciente dessa estratégia bem sucedida, o paciente fez o mesmo para superar o medo de viajar de avião. Ele enfrentou o aeroporto, vôos curtos sem tranqüilizantes e gradativamente foi se expondo a vôos mais longos até que se convenceu que estava tudo bem. Chamamos esse processo de Dessensibilização (retirar a sensibilidade). Esse método favorece a diminuição gradativa da hipersensibilidade existente a uma condição fóbica por meio da exposição suave e contínua, que permite ao paciente fortalecer a percepção do controle e vitória sobre si mesmo.

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Quando é hora de recomeçar

Procurar ajuda profissional traz superação e crescimento pessoal.

Grandes mudanças geralmente “chacoalham” o conhecido cotidiano e podem criar oportunidades de crescimento pessoal através da reflexão e introdução de novos valores e perspectivas para a vida. A cultura chinesa traz uma interessante contribuição sobre a possibilidade de crescer a partir de acontecimentos dolorosos. A pala¬vra ‘trauma’ (chuangshang) é a justaposição de dois caracteres: ‘Criação’ (chuang) e ‘Dor’ (shang). “A Psicologia e a Psiquiatria estudam os diferenciais de comportamentos dos numerosos indivíduos que prosperaram (do latim pro+sperare: esperança adiante) após grandes mudanças de vida como esteios para novas formulações de estratégias terapêuticas. A melhora consistente da qualidade de vida das pessoas que após eventos impactantes buscaram a psicoterapia envolve geralmente cinco fatores: desenvolvimento de novos interesses e objetivos, apreciação e valorização da vida, melhor relação familiar e interpessoal, resgate da religiosidade e espiritualidade no dia-a-dia e a descoberta de força e recursos pessoais para superação de adversidades”, explica Julio Peres, psicólogo e doutor em Neurociência e Comportamento pela USP. Ainda segundo a organização World Values Survey, que abordou o sistema de valores humanos em mais de 60 países, o bem-estar consistente está relacionado a uma maneira coerente de viver. Ou seja, o desenvolvimento da generosidade, da cooperação e do altruísmo estiveram relacionados tanto ao processo de crescimento pessoal, como a um estilo de vida consistente de felicidade. “A angústia é o principal termômetro indicador de que já é hora de fazer algo novo com um significado maior para a existência. A temperança e o tempo para um mergulho íntimo são necessários na busca do significado mais amplo para o viver, e a psicoterapia tem ajudado muitas pessoas dispostas a mudarem suas vidas para melhor”, explica o psicólogo Julio Peres.

Julio Peres

Psicólogo clínico e Doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Fez Pós-doutorado no Center for Spirituality and the Mind, University of Pennsylvania e na Radiologia Clínica/Diagnóstico de Imagem pela UNIFESP. Autor dos estudos Brasileiros que investigaram os efeitos neurobiológicos da psicoterapia através da neuroimagem funcional (Psychological Medicine 2007 e Journal of Psychiatric Research 2010). Possui artigos científicos publicados sobre trauma psicológico, psicoterapia, resiliência, espiritualidade e superação. Pesquisador do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (PROSER) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Autor do livro “Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam” editora ROCA.

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Quais são os principais traumas ou sofrimentos que levam as pessoas a buscarem psicoterapia?

Entre os traumas mais frequentes das pessoas que buscam psicoterapia podem-se citar: Perda de entes queridos (especialmente familiares); Abortos; Acidentes; Separação conjugal (infidelidade, conflitos etc.); Assalto; Sequestro (com cativeiro, relâmpago, domiciliar); Violência sexual; Decepções (quebra de confiança, enganos etc.); Mudanças drásticas de vida (cirurgias, enfermidades, perda de emprego etc.); Testemunho ou sofrimento pessoal de violência; Conflitos familiares (discussões graves, brigas etc.). Geralmente o trauma envolve o efeito-surpresa e o desamparo diante da ocorrência. Deve-se recorrer à psicoterapia quando o sofrimento for expressivo a ponto de limitar a vida diária

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Superação e Ser Vencedor

1- O que é, do seu ponto de vista de psicólogo clínico e neurocientista, o conceito de uma pessoa vencedora?

Uma pessoa vencedora pode ser considerada resiliente. Vale esclarecer que a resiliência (capacidade de atravessar adversidades e construir o bem-estar) não é algo que simplesmente alguns têm e outros não, ou mesmo um “envelope de segurança” implacável para situações potencialmente traumáticas. A superação de adversidades é dinâmica, pode ser desenvolvida por indivíduos com traumas psicológicos e envolve vários fatores associados a confiança e a esperança como: (1) a motivação de encontrar sentido na vida diária; (2) a crença de que se pode influenciar o entorno e os resultados dos eventos; e (3) A opinião de que se pode aprender e crescer a partir das experiências positivas e negativas. A psicoterapia tem ajudado muitas pessoas a crescerem com base nos aprendizados adquiridos em suas experiências dolorosas. A superação ocorre quando uma aliança de aprendizado com o sofrimento é construída, favorecendo benefícios adicionais à qualidade de vida anterior à ocor­rência do trauma. Os conhecimentos adquiridos nesse processo não são restritos ao momento e beneficiarão também outros domínios da vida. Portanto, o sofrimento pode ser de fato apenas parte de uma história de superação.

2- Ser bem-sucedido em algo tem relação direta com superação de medos e traumas?

Ser bem-sucedido requer coragem, que tem em sua etimologia o significado “ato do coração”. O diálogo entre o medo e a coragem faz parte da vida de todos, e a despeito da crença de que uma condição exclui a outra permanecer predominante ao senso comum, a coragem pode ser fortalecida com a perseverança e o direcionamento da energia para fazer o certo. Diante da adversidade, a coragem e os resultados subsequentes, quando positivos, conferem uma autoimagem satisfatória de dignidade. O fator crucial ao desenvolvimento do bem-estar íntimo está em como os indivíduos percebem sua capacidade de investir seus recursos mentais, lidar com os eventos e controlar seus resultados. Por exemplo, os diálogos internos de autopiedade, incapacidade, insegurança, desamparo e autodepreciação podem realçar as emoções negativas e exacerbar o sofrimento. Por outro lado, as pessoas que cultivam, ou aprendem a cultivar diálogos internos de enfrentamento, procurando modificar o presente positivamente, constroem com maior facilidade o bem-estar.

3- Três dos meus seis personagens que vou citar na matéria como exemplo de vencedores têm em comum o fato de terem sido abandonados pelo pai quando crianças. O que, em tese, poderia ter sido ruim para o desenvolvimento deles, pode tê-los fortalecido?

De fato, a perda/afastamento de entes queridos assim como a fragmentação do núcleo familiar podem influenciar negativamente a vida de muitos indivíduos. Em contra-ponto ao que o filósofo Friedrich Nietzsche afirmou, “O que não mata, fortalece”, o trauma pode adoecer severamente grande número de pessoas ao invés de fortalecê-las. Contudo, a mente é ágil e em si, pode fazer do céu o inferno e do inferno o céu e por isso, precisa de orientação para que esta agilidade esteja a favor do bem-estar. Lembrar envolve a reconstrução de uma trama coerente por meio de fragmentos disponíveis tornando assim o passado maleável e flexível, com novas interpretações das recordações e re-explicações do que aconteceu. O fortalecimento/crescimento pós-trauma as pessoas que se submeteram a psicoterapia envolve geralmente 5 aprendizados, que possivelmente permearam a superação dos três personagens: (1) Abertura para novas experiências, interesses e objetivos de vida; (2) Apreciação e valorização da vida; (3) Melhor relação familiar e interpessoal permeada por gratidão, bondade e amor; (4) Desenvolvimento ou resgate da religiosidade/espiritualidade no dia-a-dia e; (5) Descoberta de força, coragem e perseverança para superação de adversidades. A superação de adversidades importantes e a construção do bem-estar consistente se relacionam também com o fortalecimento do caráter e o desenvolvimento das virtudes (coragem, justiça, temperança, sabedoria, paciência, amor e esperança).

4- O que o cérebro de um vencedor tem de diferente dos demais?

Conforme respondi anteriormente, as neurociências mostram que lembrar compreende a reconstrução de informações coerentes por meio de fragmentos disponíveis de modo que o conjunto faça sentido. Assim, o passado é flexível e modifica-se com novas interpretações das recordações e re-explicações do que aconteceu. Nossos estudos com neuroimagem mostraram o que acontece no cérebro das pessoas que aprenderam com seus sofrimentos e superaram. Novas classificações e traços de memória se formam substituindo as conexões neurais anteriores envolvidas com o sofrimento. Indivíduos que desenvolveram resiliência espontânea assim como aqueles submetidos à psicoterapia mostraram maior atividade do córtex médio préfrontal (envolvido na categorização e classificação das experiências) e menor atividade da amígdala esquerda (envolvida na expressão do medo/sofrimento). Essa evidência reforça a importância de re-classificar e aprender com a dificuldade em vez de sucumbir a ela. Diante das adversidades, podemos todos percorrer esse caminho.

Respostas do Dr. Julio Peres para ISTO É.

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Ser bem-sucedido em algo tem relação com superação de medos e traumas?

Ser bem-sucedido requer coragem, que tem em sua etimologia o significado “ato do coração”. O diálogo entre o medo e a coragem faz parte da vida de todos, e a despeito da crença de que uma condição exclui a outra permanecer predominante ao senso comum, a coragem pode ser fortalecida com a perseverança e o direcionamento da energia para fazer o certo. Diante da adversidade, a coragem e os resultados subsequentes, quando positivos, conferem uma autoimagem satisfatória de dignidade. O fator crucial ao desenvolvimento do bem-estar íntimo está em como os indivíduos percebem sua capacidade de investir seus recursos mentais, lidar com os eventos e controlar seus resultados. Por exemplo, os diálogos internos de autopiedade, incapacidade, insegurança, desamparo e autodepreciação podem realçar as emoções negativas e exacerbar o sofrimento. Por outro lado, as pessoas que cultivam, ou aprendem a cultivar diálogos internos de enfrentamento, procurando modificar o presente positivamente, constroem com maior facilidade o bem-estar.

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Diagnóstico e tratamento das várias faces do trauma psicológico. Saiba Mais

A população geral é afetada pelas características traumatogênicas do mundo contemporâneo, tais como: incremento da velocidade; ansiedade aumentada; dificuldade de controle dos impulsos; acirramento da competitividade; aumento da instabilidade, da imprevisibilidade e da insegurança; propagação do medo; difusão da impotência; fragmentação das funções materna/paterna; aumento da solidão; comprometimento da capacidade empática; tendência ao individualismo; incremento da rivalidade em detrimento da solidariedade; desamparo; crise de valores; sentimento de inutilidade; estímulo exacerbado ao consumo; ilusão de alcance da felicidade, da completude ou da superioridade através do consumo (drogas; álcool; alimentos; objetos); imediatismo e aumento da dificuldade de suportar frustração.

Estudos epidemiológicos revelam que a massiva maioria da população sofreu ou sofrerá um ou mais eventos potencialmente traumáticos como perda de entes queridos, acidentes, violência, hospitalização, conflitos inter-pessoais graves, catástrofes naturais ou causadas pelo homem, entre outros. Em torno de 10% da população geral apresenta Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e 30%, TEPT parcial, enquanto grupos de risco podem apresentar prevalência do transtorno entre 52% e 87%. Os indivíduos com TEPT têm probabilidade três vezes maior para emersão de outros transtornos, comorbidades e/ou queixas somáticas. Pesquisadores em todo o mundo estabeleceram uma forte relação entre o trauma psicológico e o desenvolvimento de TEPT, transtorno depressivo, transtorno de personalidade, transtorno somatoforme, dores crônicas, fobias específicas e fobia social, automutilação, suicídio, comportamentos de alto risco e abuso de substâncias (como drogas e álcool). Traumas psicológicos podem também exercer significativa influência em comportamentos com isolamento social, distorções de percepção da identidade pessoal e alterações da crítica e do julgamento, sem necessariamente caracterizar um transtorno.

Os transtornos somatoformes decorrentes do trauma como dor de cabeça, gastrite, alergias, palpitações entre outros são com freqüência subdiagnosticados pela desinformação sobre o possível impacto do trauma psicológico e a prevalência do TEPT. As múltiplas expressões secundárias ao trauma diminuem as chances para o diagnóstico assertivo ocorrer, enquanto quadros mais conhecidos como a depressão, enxaqueca, fibromialgia, etc., são abordados primeiramente. Por outro lado, se as causas não forem tratadas as queixas em geral se tornam crônicas com prejuízos crescentes à qualidade de vida. O expressivo número de pessoas afetadas pelo trauma psicológico requer tratamento especializado. A psicoterapia tem sido indicada como a primeira linha de tratamento ao trauma, por ser a estratégia mais relevante para diminuição do risco de cronicidade. O tratamento adequado precoce pode evitar a configuração do TEPT, a emersão de comorbidades assim como o deslocamento de sintomas para expressões somáticas.

A presente especialização responde a uma necessidade premente do grande contingente de indivíduos afetados pelo trauma psicológico, apresentado por várias faces, que não recebem atenção profissional especializada. Temos como objetivo formar psicólogos e psiquiatras para o diagnóstico e tratamento eficazes das vítimas de traumas psicológicos. Ênfase será dada à compreensão das dinâmicas de comportamento que aumentam a vulnerabilidade para recorrência traumática, assim como ao crescimento pós-traumático e ao preparo do profissional para o atendimento terapêutico eficaz.

Programa
Modulos I e II: Conceitos e formação teórica
• Conceitos de trauma psicológico e Transtorno de Estresse Pos-Traumático (TEPT);
• Quando o evento estressor se torna um trauma?
• Trauma sem palavras
• As várias faces do trauma psicológico e subtipos do TEPT;
• Como Percebemos o Mundo?
• Trauma e Subjetividade;
• Traumas Inconscientes;
• Personalidade e Trauma;
• Perfil psicológico do paciente traumatizado;
• Perfil psicológico do agressor;
• Perfil psicológico da vítima;
• Aprendizado de Extinção e Resiliência: crescimento pós-trauma;
• O preparo do terapeuta ao tratamento de indivíduos traumatizados;
Módulos III e IV: Tratamentos e prática clinica
• Estudos fronteiriços sobre a patofisiologia do trauma psicológico;
• Neuroimagem da percepção, dos estados alterados de consciência, do TEPT, de memórias traumáticas e psicoterapia;
• Abordagens terapêuticas ao TEPT: psicoterapia e farmacoterapia;
• Abordagens endereçadas aos indivíduos traumatizados: Psicanálise, Terapia Cognitivo Comportamental, EMDR, Psicoterapia Interpessoal e Terapia de Exposição e Reestruturação Cogniviva;
• Fases do processo: vítima, sobrevivência e superação;
• Contribuições das Neurociências a Psicoterapia eficaz;
• Neurônios-espelho: o que os exemplos de superação ensinam;
• Religiosidade, Espiritualidade e Saúde;
• Contribuições da ciência do Bem-estar e da Felicidade;
• Estudo de casos clínicos: psicoterapia e evolução clínica;
• Programa de 12 sessões de Terapia de Exposição e Reestruturação Cognitiva ao TEPT