Orientações sobre Primeiros Socorros Psicológicos em Catástrofes

Por Dr. Julio Peres

     O trauma psicológico se relaciona, entre outros fatores, com um ou mais “eventos-surpresa”, para os quais as pessoas não estavam preparadas, de modo que não dispõem de recursos emocionais para enfrentar suas consequências imediatas. Catástrofes naturais, como furacões, tsunamis, terremotos, inundações e deslizamentos, podem trazer imenso impacto na Saúde Mental de uma comunidade, uma cidade, um estado, ou mesmo uma nação.

     Estudos a respeito levantaram a questão de como podemos atender às necessidades psicológicas dos sobreviventes, considerando a estabilidade fisiológica dos mesmos (os cuidados médicos são prioridade quando o indivíduo está ferido, corre risco de vida ou com dores físicas). Muitas pessoas, mesmo bem-intencionadas, não sabem como agir em situações extremas, e por vezes se perdem em fusão com o sofrimento das vítimas.

     Portanto, o conhecimento e o planejamento sobre como prover auxílio psicológico são fundamentais para habilitar os trabalhadores humanitários a intervirem adequadamente com pessoas envolvidas em cenários caóticos, permeados por destruição, ferimentos, perdas de entes queridos, moradia e trabalho.

Antes de tudo:

=> Tenha clareza sobre por que escolheu auxiliar psicologicamente pessoas que atravessam dores emocionais de grande magnitude e potenciais traumas, eventos que talvez se tornem os mais significativos de suas vidas. Procure se familiarizar antes com a situação real e os impactos da catástrofe natural. Lembre-se de que a sua demonstração de fraqueza e insegurança ao sobrevivente em vulnerabilidade psicológica pode amplificar a dor daqueles a quem você está oferecendo ajuda. Caso não se sinta em condições de prover auxílio psicológico, procure contribuir de outras maneiras, para as quais que você perceba reunir
condições e recursos

Visão Geral: 

     Conscientize-se de que na maioria das vezes os “Primeiros Cuidados Psicológicos” estão embasados na promoção de quatro pilares: (1) conexão/empatia/solidariedade (“estamos juntos, você não está sozinho[a]”); (2) calma e estabilidade emocional (“a situação que vive agora é transitória, tem começo, meio e fim; e você a atravessará com a melhor qualidade possível”); (3) autoeficácia (“você conseguiu chegar até aqui, você é capaz, é forte e conseguirá se sair bem”); (4) esperança e segurança (“as redes de suporte estão mobilizadas, você está cada vez mais próximo da tranquilidade e da segurança, que chegarão”).

Atuações:

=> Ao iniciar o atendimento, informe sobre quem é você e por que está ali.
=> Em seguida, é preciso conhecer as necessidades e as preocupações imediatas do sobrevivente em atendimento.
=> Faça perguntas curtas/objetivas com tom de voz tranquilo, seguro e acolhedor: (1) O que você mais precisa no momento?; (2) Como se sente neste momento?; (3) O que posso fazer para aliviar sua dor / para você se sentir melhor?
=> Não interrompa as falas do sobrevivente. Transmita empatia, solidariedade e compreensão com olhar e gestos faciais durante a escuta.
=> Caso o sobrevivente não consiga verbalizar seu conteúdo de maneira coerente, favoreça a estruturação da narrativa, repetindo uma ou duas palavras da última frase e em seguida diga “…sim, continue” ou “…entendi, e depois?”.
=> Lembre-se que contar e recontar as dores emocionais pode ajudar a prevenir que o evento estressor se configure posteriormente como um trauma psicológico, ao atribuir
significados aos fragmentos sensoriais e emocionais dispersos da dor. Essa dinâmica , portanto, funcionará como um fator de proteção à pessoa vitimada pela catástrofe.
=> Use um vocabulário fácil e adequado às faixas etárias, contextos culturais; valide e acolha as expressões emocionais, “normalizando” as reações e sintomas externados pelo
sobrevivente em crise “… sim, eu compreendo, é natural que, diante de tudo, você se sinta assim agora…”.
=> Após conhecer as necessidades do sobrevivente, auxiliá-lo quanto à organização das prioridades e respectivas condutas a serem seguidas a partir de agora. Lembre-se de que o sobrevivente em crise, com vulnerabilidade psicológica, pode estar sobrecarregado de excitações emocionais, e desorganizado.
=> Tenha em mente que você acolherá o sobrevivente, prestará auxílio psicológico, orientações e suporte psicossocial não intrusivo e consentido, isto é: você só fará o que o sobrevivente permitir que você faça. Para isso, utilize perguntas como “estaria bem para você se eu comunicasse… fizesse… chamasse…?” ou “você sentiria melhor se eu comunicasse… fizesse… chamasse…?”.
=> Prover aos sobreviventes esperança realista em relação as suas necessidades e preocupações imediatas.
=> Potencialize os recursos psicológicos do próprio sobrevivente, reforce sua capacidade por ter conseguido chegar até aqui e sua real possibilidade para prosseguir com a melhor qualidade possível!
=> Respeite a religiosidade e a espiritualidade espontâneas, e reforce ao sobrevivente que não está sozinho ou desamparado.
=> Transmita calma, esperança, perspectivas otimistas e realistas de futuro, também sobre a reconstrução do equilíbrio psicológico, fisiológico e material após a presente travessia.
=> Mantenha sua atenção responsável e visão clara durante o atendimento!
=> Seja flexível!
=> Tenha bom senso!

Alertas:

     Dr. Peres alerta para a necessidade de ações governamentais de amplo alcance: palestras, aplicativos móveis e outras estratégias complementares ao preparo dos trabalhadores humanitários, sejam profissionais da saúde e voluntários, para aplicação dos primeiros socorros psicológicos à vítimas de situações de desastres naturais. “Nosso Brasil ainda está pouco preparado para a prática da resiliência comunitária e precisa com urgência aprender os caminhos já estabelecidos que otimizam o auxílio e suporte psicológico eficazes”,
conclui Dr. Julio Peres.

Breve exemplo prático (autorizado por Verônica):

     Verônica – (mensagem de texto original) “Boa noite Dr. Julio… Estou morando Rio grande do Sul e estamos vivendo momentos mais críticos de nossas vidas. Estamos sofrendo muito… Estou completamente, desnorteada, QDO lembrei-me de ti… Estou sem chão. Choro constantemente, não tenho segurança nenhuma pra sair de casa. Embora aqui tbem já entrou água.. Mas agora estou em lugar seguro. Estou precisando mesmo de apoio. Acho que vou enlouquecer… Se puder ajude me, qualquer palavra de apoio neste momento é tudo! Obrigada”.
     Dr. Julio Peres (em áudio) – Verônica, é compreensível que você esteja desnorteada com tantas ocorrências tão difíceis… Lembre-se que você não está sozinha, conte comigo a qualquer memento… A sensação que você mencionou, “acho que vou enlouquecer”, acontece porque muitas situações difíceis estão acontecendo simultaneamente, deixando você sobrecarregada… Contudo, lembre-se, Verônica: essa situação atual é transitória e acabará…cada dia que você vence, mais próxima você estará do término de tudo isso! Verônica, você chegou até aqui, continue, vamos adiante, você é uma mulher forte! Continue enviando notícias suas!

Breve CV:

Dr. Julio Peres é psicólogo, neurocientista, referência nacional e internacional em manejos terapêuticos que favorecem a saúde mental. Pioneiro em pesquisas sobre os efeitos neurobiológicos da psicoterapia com métodos de neuroimagem. Suas contribuições sobre os fatores de resiliência, os mecanismos de superação traumática, publicadas em respeitados periódicos científicos, impactaram a comunidade acadêmica mundial, os colegas da área da saúde mental e incontáveis pessoas que buscaram psicoterapias. Obteve doutorado em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP, pós-doutorados pela Universidade da Pensilvânia (EUA) e pela UNIFESP


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