Entrevista Dr Julio Peres concedida ao Conselho Regional de Psicologia (CRP-PR)
- O psicólogo não discute a lógica da fé ou sua veracidade. Cabe-lhe apenas a tarefa de estudar como se forma, como se desenvolve e que funções desempenha na vida do indivíduo. Levando isso em consideração, qual é o limite da crença do psicólogo diante da crença do paciente?
O artigo “Deve a psicoterapia considerer a reencarnação? (Should psychotherapy consider reincarnation? http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22297317), que recentemente publiquei no Journal of Nervous and Mental Disease, discute essa importante questão (veja o artigo em clinicajulioperes.com.br). Há um crescente reconhecimento da necessidade de se levar em conta o ambiente cultural e os sistemas de crenças dos pacientes na psicoterapia. Respeitar as opiniões e realidades subjetivas do paciente é uma necessidade terapêutica e um dever ético, mesmo que os profissionais não compartilhem das mesmas crenças. As informações obtidas na psicoterapia devem ser sobre o que os pacientes acreditam, o que exige conhecimento de estratégias objetivas para otimizar o enfrentamento e a superação de suas dificuldades com base neste sistema de crenças.
- Em quais momentos a religião pode servir como apoio? Como estabelecer essa relação sem interferir nas especificidades de uma crença?
Parte fundamental da cultura, as crenças religiosas têm papel importante na formação de juízos e no processamento de informações, auxiliando muitas pessoas a organizarem ou compreenderem eventos dolorosos, caóticos e imprevisíveis que podem gerar sintomas diversos. O coping religioso é muito utilizado no enfrentamento de eventos traumáticos e na maioria das vezes, conforme experiência clínica e centenas de publicações, o efeito é favorável a superação. Por exemplo, a crença na reencarnação – envolve um ciclo contínuo de aprendizado e evolução através das vidas sucessivas – é encontrada ao longo da história humana em diferentes épocas e culturas. Do ponto de vista dos pacientes reencarnacionistas, as dificuldades são transitórias e podem ser superadas quando suas lições que as adversidades trazem são absorvidas.
- Em quais momentos a religião pode interferir negativamente na vida do indivíduo?
O coping religioso pode também trazer efeitos negativos em alguns casos, quando por exemplo, o indivíduo acredita que esta sendo castigado por Deus, ou que merece sofrer porque fez algo imperdoável. Por isso, os profissionais devem estar preparados para o bom manejo terapêutico dos sistemas de crenças que podem tanto favorecer o sofrimento quanto a promoção da saúde e do crescimento.
- Quais os riscos que os pacientes correm com profissionais sem formação para abordar adequadamente a religiosidade durante a psicoterapia?
Infelizmente o risco é importante. Recentemente um artigo no The New York Times (Lisa Miller) afirmou que o interesse na reencarnação está em ascensão, e os responsáveis pela divulgação não são monges ou teólogos, mas terapeutas. Esta notícia nos indica uma abertura terapêutica saudável, mas também uma preocupação com profissionais ou ‘falsos-terapeutas’ que não possuem um treinamento clínico adequado para conduzir a psicoterapia. Atribuir significados aos sintomas de ansiedade, desajuste, fobia específica ou estresse pós-traumático, alinhados aos conteúdo de supostas vidas passadas – se essa for a crença do paciente – pode favorecer a atenuação ou libertação dos sintomas. Assim como qualquer pessoa pode procurar tratamento psicológico alinhado aos seus valores e crenças, a reencarnação deve ser levada em conta pelos psicoterapeutas, que devem procurar formação adequada em abordagens coerentes e eficazes sem misticismo ou práticas divinatórias.
- De que forma o psicólogo pode abordar a questão da religião com seus pacientes?
Estar confortável para abordar com o paciente temas sobre espiritualidade e religiosidade como a reencarnação é o primeiro de uma série de passos para que o processo terapêutico siga as diretrizes éticas. No artigo “Deve a psicoterapia considerer a reencarnação?” mostrei que em todo o mundo há um grande número de pessoas que crêem na reencarnação. Segundo dados do World Values Survey, tal crença é professada por 22,6% da população nos países nórdicos, 27% na Europa Ocidental, 20,2% na Europa Oriental; já nos Estados Unidos o número chega a 27% (Gallup, 2003) e no Brasil a 37% (Data Folha, 2007). Iniciaremos em agosto de 2012 o curso Reencarnacão e Psicoterapia: como abordar eticamente as crenças espirituais dos pacientes que buscam psicoterapia (contato WhatsApp 11 975721848 ou clinicajulioperes.com.br). Forneceremos aos psicoterapeutas conhecimento e treinamento de estratégias objetivas para abordar eticamente os pacientes reencarnacionistas que buscam psicoterapia e otimizar o enfrentamento de suas dificuldades com base neste sistema de crenças. Questionamentos como psicólogos podem discutir reencarnação com seus pacientes?, quais são os limites profissionais quando temas religiosos e/ou espirituais são trazidos? entre outros serão esclarecidos no curso, assim como os riscos e as contra-indicações
desta prática. Vale lembrar que em nota pública o CFP esclarece que “A Psicologia é uma ciência que reconhece que a religiosidade e a fé estão presentes na cultura e participam na constituição da dimensão subjetiva de cada um de nós”. Contudo, a integração da crença reencarnacionista durante a psicoterapia requer profissionalismo, conhecimento e capacidade de alinhar as informações coletadas sobre os valores do paciente para o benefício do seu processo terapêutico.
Clique aqui e confira a entrevista completa