Há estudos que comprovem que profissionais felizes trazem melhores resultados?
Sim. O World Values Survey abordou o sistema de valores humanos em mais de 60 países e mostrou que a felicidade está relacionada a uma maneira coerente de viver. Alguns fatores que compõem um estilo de vida provedor de felicidade foram encontrados, como: o suporte social (boa convivência com a família, os colegas de trabalho e os amigos) esteve fortemente relacionado à felicidade; voluntariado e caridade estiveram associados ao maior significado de vida e felicidade; as pessoas com autoestima elevada e que se sentem úteis e realizam suas atividades profissionais com mérito (variáveis dependentes) são mais felizes; as pessoas que relatam com frequência o sentimento de gratidão têm maiores índices de afetos positivos e felicidade. Em suma, índices maiores de cooperatividade estiveram fortemente relacionados à felicidade, e como conseqüência ao melhor desempenho profissional. Vale lembrar que o estado subjetivo chamado de felicidade abrange um conjunto dinâmico de vivências, como: momentos de prazer fugazes na vida diária (surpresa agradável, prazer sensorial ao tomar banho, almoçar, ouvir uma música, etc.); satisfação com a vida, prazer mais duradouro (envolvendo o relacionamento diário com família, trabalho e amigos) e satisfação com a vida, bem-estar perene (compreendendo estilo de vida, gratidão, motivação e contentamento íntimo, propósito e significado amplos para a vida). Portanto, são várias as possíveis manifestações humanas de afeto positivo. As neurociências trazem uma convergência de achados que sugerem o envolvimento de diversas regiões do sistema límbico e sinalizações dopaminérgicas em estados afetivos positivos. Os receptores opióides e GABA no estriado ventral, na amígdala e no córtex orbitofrontal, assim como vários neuropeptídeos podem participar de experiências relacionadas ao prazer sensorial e a satisfação.
O ambiente competitivo é estimulante em muitos sentidos. Você acredita que ele também pode causar a infelicidade?
Sim. Vivemos, atualmente, sob fortes influências de consumo em um contexto cultural árido de significados para o sentido da vida. A cultura contemporânea do descartável incentiva diuturnamente comportamentos como a competitividade, a pressa, a praticidade e a obtenção imediata dos bens que, supostamente, trariam conforto e aplacariam a angústia do vazio, assim como a ausência de sentido para a existência. Os relacionamentos interpessoais são igualmente influenciados pela oferta dos meios ágeis de comunicação, que favorecem interface superficial com grande número de pessoas (redes de relacionamento via internet), incitando contatos por interesse em vantagens imediatas e relações também descartáveis. Pessoas “coisificam-se” sucessivamente como produtos, ao passo que os vínculos afetivos se tornam cada vez mais frágeis. A cultura dos grandes centros urbanos com bombardeamento de informações, responsabilidades e objetivos, às vezes inexequíveis, propõe um estilo de vida competitivo contrário ao objetivo prometido de felicidade. Muitos executivos se consideram bem-sucedidos profissionalmente, apesar de não gozarem de boa saúde e declararem insatisfação com a vida pessoal. Assim, a competitividade aliada a ansiedade prevalente na cultura atual pode trazer malefícios importantes a saúde e a qualidade de vida.
Quando um gestor percebe que há um funcionário infeliz e que talvez ele desmotive os demais. O que fazer?
A infelicidade de um funcionário deve ser avaliada com profundidade. Pode ser que o mesmo esteja atravessando uma dificuldade familiar, uma perda afetiva, uma enfermidade, ou qualquer outro sofrimento de forum íntimo. Contudo, tal funcionário pode ser também uma pessoa mais sensível e o “primeiro da lista” a manifestar o “sintoma”, isto é: o sinal que algo vai mal na dinâmica da empresa. O gestor deve dedicar atenção especial a essa pessoa que potencialmente sinaliza pela infelicidade o início de uma doença no organismo empresarial ainda não reconhecida. Após compreender as raízes de sua infelicidade o gestor deve genuinamente auxiliar o funcionário a superar a sua dificuldade, e talvez para isso, seja preciso cuidar de todo o organismo.
Caso a tristeza seja por uma razão alheia a empresa (motivos pessoais) qual é a postura mais adequada para a empresa?
O suporte social é muito importante àquele que atravessa um sofrimento. De acordo com os estudos sobre o Transtorno de Estresse Pós-Traumático, a maioria de nós passou ou passará por um trauma (perda de entes queridos, enfermidades, acidentes, etc.). As pessoas que promovem auxílio ao processo de superação de alguém, em geral são lembradas por este com grande estima ao longo da vida. Assim, a postura da empresa deve ser alinhada ao auxílio do indivíduo, que quando superar sua dificuldade poderá vivenciar benefícios adicionais à qualidade de vida anterior a ocorrência do trauma, além da genuína gratidão.
Quais fatores estão ligados à felicidade no ambiente corporativo?
A etimologia da palavra trabalho (do latim tripalium) refere-se a um instrumento romano de tortura, um tripé cravado no chão, onde eram supliciados os escravos. Por causa de sua ligação com a tortura, por meio desse instrumento, a palavra trabalho, consciente ou inconscientemente, tem sido muitas vezes relacionada com padecimento e sofrimento. Durante a última década, a Psicologia e a Psiquiatria têm estudado os diferenciais de comportamentos dos numerosos exemplos de indivíduos que prosperaram (do latim pro+sperare: esperança a diante) diante dos desafios que a vida impõe. A felicidade no ambiente corporativo se relaciona com a promoção da consciência ampliada e de um sentido maior para a existência, que naturalmente motiva o indivíduo em sua vida diária.
Qual postura as empresas devem ter para incentivar cada vez mais o funcionário?
Tenho observado no ambiente corporativo um impacto muito positivo de palestras que proporcionam o despertar da consciência e a sensibilização de um significado mais amplo para vida. O desenvolvimento das virtudes como a coragem, a justiça, a temperança, a sabedoria, a paciência, a esperança e o amor promovem uma melhora significativa na qualidade do viver – com os colegas, funcionários, chefia, amigos e família. Atualmente, além da experiência clínica temos uma vasta literatura científica a respeito do crescimento pessoal. Tais informações chegam aos poucos ao público geral, que começa a compreensão o passo-a-passo prático alinhado a construção de um estilo de vida consistente de bem-estar e realização pessoal.
No seu livro “Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam” tem algum case sobre ambiente de trabalho? Se sim, pode comentar?
Sim. Ainda com seus filhos pequenos uma empresária bem sucedida pediu o divórcio. Ela teve que arregaçar as mangas e trabalhar muito para prover as condições que considerava necessárias ao desenvolvimento de suas crianças. Sem perceber, ela se tornou uma pessoa enérgica, forte e rígida também no ambiente profissional. Muito tempo passou, os filhos se formaram e mesmo assim, ela não sabia mais ser diferente. Continuava vivendo como se estivesse num campo de batalha no âmbito profissional. Considerava a todos fracos, incapazes e, por conta do seu temperamento bélico e perfeccionista, os funcionários também ficavam “doentes” ou se demitiam por não agüentarem as pressões. Ela admitiu que precisava de ajuda e após a psicoterapia compreendeu que aquele modelo fora necessário no passado, mas que não era o único. Seu principal desafio foi modificar aquela dinâmica de comportamento e entrar em contato com um novo repertório de suavidade e calma perante a vida. Sua superação refletiu na relação mais agradável com o entorno e a intimidade tranqüila trouxe resultados ainda mais prósperos a sua empresa, assim como a sua vida.
Entrevista com o Dr. Julio Peres “Felicidade no ambiente corporativo”