Você acredita no poder do pensamento? Por quê? Já teve provas de que ele realmente existe? Qual (ou quais?)
Vários estudos evidenciam que a utilização consciente e voluntária do pensamento pode alterar a forma como o cérebro processa os estímulos que recebemos do ambiente assim como a própria saúde. A opinião e as expectativas também podem modificar as atividades neuroquímicas nas regiões do cérebro relacionadas a dor e a expressões emocionais agradáveis assim como desagradáveis. O efeito placebo – relacionado ao que acreditamos como verdades – é um dos fenômenos mais comuns em medicina e psicologia e uma das mais robustas provas do poder do pensamento. Por exemplo, a Universidade de Harvard testou o efeito placebo em pessoas asmáticas. Cerca de 40% dos pacientes estudados obtiveram melhoras significativas com o placebo. Um estudo mais ousado sobre o valor da cirurgia de ligação de uma artéria no tórax em pacientes com angina (dor no peito) usou simplesmente a anestesia e o corte superficial como placebo. Os pacientes “realmente” operados foram comparados com o grupo-Placebo, que mostrou 80% de melhora enquanto os primeiros (com cirurgia) melhoraram apenas 40%. Pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica afirmam que o simples ato de receber algum tipo de tratamento (seja ele ativo ou não) pode ser eficiente por conta da expectativa de benefício que ele cria. Ficou evidente assim que o pensamento pode provocar alterações benéficas ou maléficas, a depender da crença da pessoa. A psicoterapia, trabalha justamente com os diálogos internos que geram sofrimento com o objetivo de trazer compreensão e mudanças dos pensamentos no sentido do bem estar e da saúde.
Como podemos, no dia a dia, “educar” nosso pensamento, de forma que ele seja positivo? Treino? Curso? Esforço e mentalização? Tomar conta do que pensamos?
A agilidade de nosso psiquismo é fantástica e precisa ser orientada no sentido da saúde para que essa dinâmica não se volte contra nós mesmos sob as fortes influências da cultura ansiosa em que vivemos. As novas tecnologias de entretenimento e a comercialização dos bens materiais ocorrem de maneira acelerada e disparam excitação, euforia e ansiedade que ensombram a consciência dos valores perenes e essenciais a vida em harmonia. A cultura predominante no ocidente apresenta um ritmo lépido e pujante com bombardeamento de informações, responsabilidades e metas às vezes inalcançáveis. Novas “necessidades” são criadas incentivando comportamentos como a pressa, a praticidade e consumo imediato dos bens que supostamente trariam conforto e felicidade. Os relacionamentos inter-pessoais são também influenciados pela oferta dos meios ágeis de comunicação (celulares, comunicadores instantâneos móveis via net, redes de relacionamento, entre outros) que favorecem interface superficial com grande número de pessoas incitando contatos por interesse em vantagens imediatas e relações também descartáveis. Pessoas se “coisificam” como produtos sucessivamente enquanto os vínculos afetivos se tornam cada vez mais frágeis. É preciso diminuir o ritmo interno para que possamos orientar nossos pensamentos na direção dos valores perenes que constituem o bem-estar e a saúde. Muitas pessoas chegam ao meu consultório com resíduos acumulados de ansiedade e dissociação que favorecem a manifestação de quadros como fobias, pânico, estresse pós-traumático e depressão. Recomendo vários exercícios que permitem o controle e direcionamento dos pensamentos para construção da qualidade harmoniosa do viver. O sistema nervoso central pode aprender que não estamos na guerra com o cultivo das vivências sensoriais agradáveis. O foco do pensamento e a presença integral nas atividades simples do dia-a-dia como a alimentação, o banho, o caminhar, etc favorecem a quebra dos pensamentos automatizados. Técnicas de relaxamento, exercícios meditativos e práticas contemplativas para conexão com o sentido maior da existência promovem a tranqüilidade necessária para desfrutar o viver ao invés de sobreviver como refém da inconsciência.
Qual o maior obstáculo para educar o pensamento?
A indisciplina é o maior obstáculo para educar o pensamento. Vale lembrar que disciplina não se relaciona com obrigação ou esforço, mas com o ouvir as verdadeiras necessidades e se responsabilizar por elas. O pensamento permite a autorregulação emocional ativando diferentes circuitos neurais conforme a vontade (ou desejo) que modifica a qualidade de nossas vidas. Uma vez esclarecidos os objetivos de nossas vidas, despertamos a energia da vontade necessária ao investimento pessoal na construção da existência verdadeiramente satisfatória. Trazer a consciência ampliada do sentido maior das nossas vidas para o dia-a-dia requer disciplina.
Você acha que o ser humano tem a tendência de pensar negativamente e ser pessimista? Por que será que é mais fácil ser pessimista?
A maioria de nós certamente lembra mais facilmente de eventos ruins que de eventos agradáveis, mas não podemos dizer que este fenômeno – constatado em vários estudos neurocientíficos – determina uma tendência ao pessimismo. Teorias baseadas na evolução das espécies têm uma possível explicação para isso: nossos ancestrais que lembravam melhor das situações perigosas e das ameaças sofridas individualmente ou pela comunidade garantiram mais a sobrevivência há milhares de anos, quando os riscos de morte eram numerosos e a sobrevida girava em torno dos 25 ou 30 anos. Muito provavelmente nós trazemos essa herança de sobrevivência. Por exemplo, quando passamos por um evento potencialmente traumático, lembramos com nitidez da situação e reagimos exageradamente, em estado de alerta, a qualquer “dica” que lembre o evento (acidente, assalto, traição, etc.). A psicoterapia é a primeira escolha de tratamento para as pessoas traumatizadas que não conseguem modificar tais comportamentos de temor contínuo que objetivaram inicialmente proteger a vida, mas depois se tornaram problemáticos.
Você concorda com a máxima que diz que “você é o que você pensa”? O que isso realmente quer dizer?
Sim concordo. Os pensamentos têm como base as nossas memórias. A partir de experiências particulares construímos associações que influenciam nossas percepções sobre nós mesmos e sobre o mundo. Em outras palavras, o pensamento busca em nossas memórias os conteúdos que permitem a sua expressão. Aprender a falar é aprender a traduzir o pensamento. Talvez, o que aprendemos nos primeiros dois anos de vida seja mais importante que todo o conhecimento reunido ao longo de uma extensa formação acadêmica. Muitos psicólogos acreditam que o pensamento é completamente verbal e realizado por meio de palavras. Essa idéia fortaleceu-se com o surgimento de estudos de Linguística, contrapondo-se à concepção alternativa segundo a qual os pensamentos seriam imagens que flutuam na mente. Assim, por meio das palavras traduzimos sínteses do que pensamos; entretanto, os pensamentos têm amplitude e refinamento muito maiores do que a capacidade de “tradução” das palavras. Os pensamentos se associam a estados emocionais e como conseqüência constroem a qualidade de nossas vidas. Um dos focos do tratamento terapêutico de indivíduos traumatizados consiste justamente na tradução da experiência, buscando palavras que a sintetizem. À medida que vamos traduzindo a ocorrência dolorosa em sínteses (ou representações narrativas), conseguimos atribuir significados à vivência pessoal, equacioná-la e, finalmente, superá-la.
Você acredita que, com a força da mente, podemos conseguir o que queremos? Nós é que somos responsáveis pelos nossos sucessos e fracassos?
Equívocos e acertos fazem parte do processo natural de aprendizado que permeia todas as fases do desenvolvimento humano. Todos nós erramos e acertamos no passado e isso continuará acontecendo ao longo da vida. Contudo, os fracassos podem assumir uma dimensão subjetiva tão expressiva a ponto de desencadear isolamento social, distorções depreciativas da auto-imagem, enfermidades e/ou transtornos mentais como a depressão. Estabelecer uma aliança de aprendizado com os erros tem despertado muitas pessoas para buscas e reflexões que configuram qualidades de vida geralmente superiores àquelas vivenciadas antes da ocorrência indesejada. O fracasso pode ser parte de uma história de sucesso. Para isso, a força da mente precisa ser organizada e direcionada para que consigamos de fato ser bem sucedidos. Se você sabe andar de bicicleta, faça um teste para compreender na prática o que eu disse: coloque dois anteparos separados, como batentes de porta, com o vão livre próximo à medida do guidão de sua bicicleta. Tente passar entre os dois anteparos olhando para um deles. Em seguida, passe os anteparos olhando para uma linha reta imaginária no meio, entre os batentes. Verifique que, ao fixar o olhar em um dos anteparos, a probabilidade de nele bater o guidão aumenta, ao passo que olhar para uma linha reta imaginária entre os anteparos aumenta as chances de passar livremente entre eles. Assim também funciona nosso psiquismo: olhe para onde você quer ir, aumentando suas probabilidades de chegar lá. Em psicoterapia também “vamos para onde olhamos” e, por isso, além de trabalhar os sintomas, é fundamental iluminar e mobilizar o saudável.
Como “treinar” o cérebro? Como as coisas “se materializam” através da força do pensamento?
É preciso ter cuidado com as idéias divulgadas com viés econômico do tipo “ganhe milhões de dólares com a força do pensamento”. Podemos sim materializar muito dos nossos pensamentos por aumentar as chances probabilísticas a partir do direcionamento da vontade em um caminho entre muitos outros. Por exemplo, se você desejar comer morangos de sobremesa no jantar, você estará aumentando a probabilidade para esta ocorrência, desde que você faça a sua parte como procurar, encontrar e trazer os morangos para sua casa. Entre inúmeras possibilidades, ao pensar no morango, as chances de comê-lo aumentam muito, mas se não houver morangos disponíveis, por mais forte que seja o pensamento, o objetivo não se materializará. Nossos estudos em psicoterapia expostos no meu livro “Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade ensinam” revelam que a motivação embasada na força do pensamento bem orientado impulsiona as pessoas a superarem as dificuldades para a construção de uma vida genuinamente melhor.
Entrevista com o Dr. Julio Peres concedida à RJ