Aprender a falar é aprender a traduzir. Talvez, o que aprendemos nos primeiros dois anos de vida seja mais importante que todo o conhecimento reunido ao longo de uma extensa formação acadêmica.
A maioria das psicoterapias faz uso das palavras como veículo para a comunicação. Ainda que a palavra não seja a única via para comunicação, certamente é uma das mais usadas no contexto terapêutico. A musico- terapia, por exemplo, leva em conta outras estratégias de comunicação. Sons, melodias, ritmos e harmonia são outros componentes da linguagem para comunicação terapêutica.
Muitos psicólogos e filósofos analíticos acreditam que o pensamento é completamente verbal, como sempre realizado por meio de palavras. Essa ideia fortaleceu-se com o surgimento de estudos de Linguística, contrapondo-se à concepção alternativa segundo a qual os pensamentos são imagens incorpóreas que flutuam na mente. Independente- mente de assegurar que todos os pensamentos se realizam mediante palavras ou não, certamente muitos assim ocorrem.
No entanto, é interessante considerar que a diferença entre aquilo que pensamos e aquilo que expressamos mediante palavras pode parecer com a relação entre o que pensamos e aquilo que falamos.
Isto é, por meio das palavras traduzimos sínteses do que pensamos; entretanto, os pensamentos têm amplitude e refinamento muito maiores do que a capacidade de “tradução” das palavras.
Exercício
Tente traduzir em palavras as suas percepções e sensações experimentadas no momento… Observe que as palavras sintetizam significados e restringem o universo da experiência pessoal…
Um dos focos do tratamento terapêutico de indivíduos traumatizados consiste justamente na tradução da experiência, buscando palavras que a sintetizem. À medida que vamos traduzindo a ocorrência em sínteses (representações narrativas), conseguimos atribuir significados à vivência pessoal, equacioná-la e, finalmente, superá-la.
Pensando sobre Palavras
A linguagem reúne processos neurais complexos e sofisticados. A representação mental de uma simples palavra envolve códigos visuais, fonológicos e semânticos. Há várias décadas pesquisadores investigam a forma como as capacidades linguísticas são adquiridas e organizadas no cérebro humano.
Indivíduos com certas lesões que influenciam o uso da lingua- gem, causadas por doenças ou acidentes – normalmente tromboses, que afetam determinadas áreas do cérebro – contribuíram para o entendimento das representações neurais da linguagem e da fala. O médico e antropólogo francês Pierre Paul Broca apresentou, em 18 de abril de 1861, na Sociedade de Antropologia de Paris, rela- tório sobre um paciente chamado Le Borgne, que havia perdido a capacidade de falar.
Tudo o que o paciente conseguia pronunciar era a palavra “tan”; por conta disso, os integrantes da equipe hospitalar apelidaram-no com esse nome. Depois da morte da “Tan”, Broca descobriu uma lesão no seu lobo frontal esquerdo, que constituía a causa quase certa dos sintomas de Le Borgne. Broca revelou essa descoberta histórica e chamou a área lesada de circonvolution du language. Essa região, hoje, é reconhecida como “área de Broca”.
Em 1874, o neurologista alemão Carl Wernicke publicou um importante livro sobre afasia (impossibilidade de falar), com base na observação de seus pacientes. Os indivíduos estudados apresentavam uma profunda dificuldade de entender a linguagem falada, e não propriamente de se expressar. Wernicke verificou que tais indivíduos apresentam esse distúrbio como resultado de uma trom- bose que lesava uma área específica do cérebro, situada no lado esquerdo, no ponto de encontro dos lobos parietal e temporal. Essa região, relacionada à compreensão da linguagem falada, é hoje reconhecida como “área de Wernicke”.
Esses dois investigadores marcaram o início dos estudos sobre as reciprocidades neurais da fala. As pesquisas mais recentes, por sua vez, reconhecem circuitos que abrangem várias outras áreas, além das citadas, como o córtex motor e a área visual primária.