Uma Nuvem Negra que me Acompanhava Dias e Noites Depois de alguns dias no hospital, voltei para casa sentindo-me anestesiado, um morto-vivo, alguém que olhava, mas não via; respirava, mas não sentia; ouvia, mas não escutava…
Esse estado de choque terrível levou algumas semanas para passar e, depois disso, a depressão foi se intensificando mais e mais.
Era tudo tão surreal! Olhava-me no espelho e não parecia mais com aquele empresário que havia deixado o escritório dias antes e se preparava para ter um ótimo final de noite ao lado da família.
Todos sorriam ao me ver e eu sorria de volta, exatamente como tinha aprendido na cartilha de etiqueta, mas aquilo não passava de uma encenação. Todos fi cavam muito felizes em me ver, menos eu.
O que estava acontecendo comigo? Apesar das diversas fraturas expostas na perna esquerda, não fi cara com sequelas mais graves, contudo a minha alma adoecia cada vez mais, pouco a pouco.
Sem direito a recorrer da sentença que minha mente dera a mim mesmo, tornei-me um sujeito apático, deprimido, vivendo como um vegetal. Por mais que a família e os amigos tentassem me ajudar, eu não conseguia me livrar daquela sintonia pesada que acabou suprimindo um ano e meio da minha vida. Tinha pesadelos recorrentes; podia ouvir o carro freando, o barulho ensurdecedor do capotamento e, depois, a sensação de estar preso nas ferragens, incapaz, impotente, sem poder fazer nada, a não ser acompanhar cada segundo de sofrimento como se fosse a eternidade. Parecia um encontro mar cado com o trauma todas as noites, e durante o dia lembrava seguidas vezes de tudo o que acontecera.
O período mais crítico já havia passado e, no entanto, as lembranças das sensações ruins permaneciam, como se o acidente tivesse acontecido uma semana antes.
Depois de 6 meses do acidente de carro, as coisas só pioraram; passei a desenvolver um extremo desconforto em locais sem “rota de fuga” e fi cava desesperado em situações de imobilidade. Tinha muito medo de andar de carro e me sentia incapaz de voltar a dirigir. Assim, sempre que era preciso ir a algum lugar de automóvel, precisava tomar um calmante.
Cheguei a um ponto em que o trauma me envolveu totalmente e eu me abandonei. Não conseguia me interessar pela família, amigos, nem pelo trabalho. Sem outra alternativa, meus irmãos passaram a tomar conta do negócio familiar. Qualquer coisa que me lembrasse do acidente causava uma sensação muito negativa. Tinha tremores, o coração disparava, suava frio e era difícil para sair desse estado.
Acho que só conseguia sair por exaustão. Com o tempo, o quadro se agravou, e os estímulos não diretamente relacionados ao acidente também passaram a me incomodar. O medo que tinha de andar de carro se expandiu para o pavor de viajar em qualquer meio de transporte. Fui limitando cada vez mais a vida até não aguentar mais e admitir algo muito importante…
Eu Precisava Buscar Ajuda!
Ao ver na TV uma entrevista sobre o tratamento de TEPT, decidi procurar a ajuda de um psicoterapeuta especializado. Até então, só tomava antidepressivos, mas os resultados não eram satisfatórios.
O terapeuta fez várias perguntas sobre o período da infância e recordar desse tempo foi muito importante para mim. Trazer à tona o menino dinâmico, já com características empreendedoras, dotado de carisma e liderança naturais foi, aos poucos, reavivando a minha percepção de mim mesmo. O meu processo deu sinais de decolagem rapidamente, quando passei a lembrar da minha “verdadeira natureza”.
Um marco do início desse processo de superação deu-se em uma sessão na qual me surpreendi sorrindo ao relatar uma travessura de moleque. Em seguida, o terapeuta perguntou qual a última vez em que havia gargalhado e, então, me dei conta de que havia muitos meses que não sorria. Decidimos em conjunto aprofundar a minha luta pelo resgate da essência perdida, revivendo mentalmente momentos positivos marcantes ocorridos não apenas na infância, mas também na adolescência e até na fase adulta antes do acidente.
O terapeuta me explicava que as memórias emocionais são as que orientam nossas percepções. E, realmente, a partir dessas boas lembranças, fui me reconstituindo, percebendo-me novamente, avançando mais e mais na minha jornada de volta à vida. Repetia com frequência: “Eu não quero e não posso mais deixar que o trauma apague quem eu sou e a minha vida”, e esse pensamento foi decisivo no meu processo de superação…
Jamais Esqueça Quem Você É… um Vencedor!
Hoje, sinto-me fortalecido em minha própria essência. Quando cheguei à terapia, estava distante de mim mesmo. Era como se o acidente tivesse tomado a minha vida de mim, passando a controlá-la sem que eu pudesse modificar esse estado. Durante a psicoterapia, pude voltar para o meu mundo, que inclui eu mesmo, minha família, os amigos e o trabalho. Também voltei a ser capaz de dirigir carros, os quais me levam para onde eu realmente quero ir.
Certamente, não me esqueci do acidente. É uma cicatriz, assim como aquelas que trago em uma das pernas, que sofreu várias fraturas expostas. Quando olho para essas marcas, muito além do machucado, percebo o quanto aprendi com o trauma pelo qual passei. No final das contas, ele comprovou que eu sou, de fato, um vencedor, pois consegui tomar nas mãos, pela segunda vez em uma só existência, as rédeas da minha vida, algo que por muitos meses acreditei estar definitivamente fora do meu alcance.
Uma outra lição importante que a experiência traumática me proporcionou é que podemos controlar apenas as variáveis que estão ao nosso alcance; as outras, devemos entregar a Deus e seguir cada um em seu caminho, fazendo a sua parte.
A propósito, este é o melhor conselho que eu posso dar a quem, por uma dessas peças que o destino prega, também passou ou está passando por algo semelhante: tomem as rédeas de suas vidas, porque nada é mais forte do que um ser humano cheio de motivação e ciente dos seus objetivos. Estamos aqui para vencer e temos de fazer jus a esta profecia. Ainda que nos sintamos incapazes disso por algum tempo após um acidente grave, saibam que temos a capacidade de enfrentar desafios e superar dificuldades, resgatando nesse processo nossa verdadeira essência interior e os valores mais preciosos.
Sigamos em frente!