Police officers under attack: Resilience implications of an fMRI study Peres et al., Journal of Psychiatric Research, in press 2011
Diferenciais do estudo:
- A fragilidade humana mediante ao trauma psicológico (testemunhar colegas feridos pedindo ajuda e morrendo no caos da primeira onda de ataques em 2006) e o processo de superação dos policiais militares foram revelados no estudo.
- O estudo reuniu pela primeira vez uma amostra extremamente homogênea (policiais sem comorbidades ou medicamentos, com mesmo trauma e a mesma idade da memória). O único diferencial entre os voluntários estudados foi o trauma psicológico. A literatura apresenta estudos com neuroimagem em pessoas com Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT) que comparam diferentes traumas ocorridos em épocas distintas e pacientes com outros transtornos decorrentes do trauma (ex. Depressão, Fobias, abuso de substâncias, etc.).
- A homogeneidade da amostra estudada influenciou os achados neurais precisamente demarcados quanto ao envolvimento do córtex médio pré-frontal (mPFC) e da amígdala esquerda na patologia e na superação do trauma. Indivíduos traumatizados sem psicoterapia mostraram maior atividade da amígdala esquerda e menor atividade do mPFC enquanto os policias submetidos à psicoterapia e os policiais sem sintomas (resilientes) mostraram maior atividade do mPFC e menor atividade da amígdala esquerda.
- Foi estudado o evento traumático mais expressivo e sem precedentes para Policiais Militares de São Paulo. A primeira onda de ataques teve impacto traumático jamais vivenciado nos policias ativos na ocasião, que presenciaram seus colegas feridos pedindo ajuda e morrendo, sem qualquer referência do que poderia acontecer em seguida. O trauma psicológico teve relação direta com o fator surpresa.
- A eficácia e os efeitos neurobiológicos da psicoterapia foram mostrados em relação ao tratamento do trauma psicológico (primeira linha de escolha terapêutica conforme The Expert Consensus Guideline series, 1999).
- Integrar os traços fragmentados de memórias sensoriais/emocionais em narrativas terapêuticas estruturadas é um dos principais desafios para as psicoterapias aplicadas a vítimas de traumas. Indivíduos com TEPT parcial requerem o mesmo nível de cuidados que aqueles com todos os critérios preenchidos conforme o DSM-IV.
- Os resultados mostram evidências neurofisiológicas da resiliência em um grupo de alto risco para o desenvolvimento do TEPT. A psicoterapia pôde ajudar os policiais a construírem narrativas resilientes via mPFC, enfraquecendo o conteúdo sensorial/emocional fragmentado das memórias traumáticas (Figuras 2 e 3).
- As mesmas pontuações de sintomas e atividade do córtex médio pré-frontal foram observadas nos policiais resilientes e nos policiais traumatizados após a psicoterapia.
- A resiliência não é algo que alguns têm e outros não. Pode ser desenvolvida mesmo por indivíduos com traumas psicológicos e a psicoterapia favorece esse aprendizado.
- O estudo mostrou que à medida que a classificação cognitiva (narrativa) se desenvolve as expressões fragmentadas sensoriais e emocionais (característica do trauma) diminuem (Figura 3).
- O estudo enfatizou a importância da brevidade do atendimento psicológico especializado, uma vez que os indivíduos submetidos à psicoterapia não mais preenchiam os critérios de TEPTp enquanto os indivíduos não submetidos à psicoterapia pioraram os sintomas de TEPT. As pessoas que inicialmente configuram o TEPT parcial podem desenvolver o TEPT crônico, que apresenta risco três vezes maior para emersão de comorbidades como Transtorno Depressivo, Transtorno Somatoforme (ver artigo Peres et al., 2009 Dor de Cabeça/Fibromialgia), Trantorno do Pânico, abuso de substâncias, etc.).
- Ao contrário do que esperávamos o cortisol (hormônio relacionado ao estresse) se mostrou em níveis normais nos policiais com TEPT parcial, tal como nos policiais resilientes (sem sintomas). A cronificação do trauma em indivíduos com TEPT está relacionada à menor expressão de cortisol, o que ressalta a importância do apoio psicoterápico especializado logo após a ocorrência traumática para que as respostas autonômicas não sejam danificadas.
- Os policias submetidos à psicoterapia mostraram pontuações mais elevadas da narrativa e atenuaram a expressão emocional/sensorial do trauma enquanto os policias não submetidos à psicoterapia mantiveram a pontuação baixa para narrativa e elevadas expressões sensoriais e emocionais do trauma (Figura 3). O estudo revelou uma relação inversamente proporcional entre a expressão narrativa e a expressão sensorial/emocional do trauma: quanto maior a pontuação narrativa menor a pontuação sensorial/emocional e vice-versa.
- Todos os policias selecionados apresentaram respostas traumáticas de alerta e hiper-estimulação simpática (expressão noradrenérgica). Os policiais com respostas dissociativas (variável confundidora dos estudos com neuroimagem sobre TEPT) não participaram do estudo.
Pela primeira vez na literatura foi evidenciado que o mPFC tem um papel crítico no desenvolvimento da resiliência. Esse achado só foi possível pela comparação entre os policias resilientes e os policiais traumatizados, que sofreram o mesmo evento estressor.
- As características de resiliência mais importantes foram a auto-eficácia, a empatia e otimismo. A religiosidade intrínseca teve um papel ativo na resiliência conforme a escala DUREL e RCOPE. Dois principais fatores de entrentamento religioso mostraram destacada sigfnificancia estatística: (1) “Busquei o amor e o cuidado de Deus” (procura de apoio espiritual) e (2) “Eu procurei colocar meus planos em ação junto com Deus” (enfrentamento religioso colaborativo).
- As palavras são os veículos para o processamento terapêutico, relacionado com a atribuição de significados aos acontecimentos passados. Futuras pesquisas deverão abordar as estratégias cognitivas que contribuem para o melhor desenvolvimento da resiliência.
- São necessárias mais pesquisas para melhor compreensão dos mecanismos de processamento de experiências traumáticas e superação em indivíduos com TEPT crônico e o mesmo desenho experimental de neuroimagem do presente estudo é promissor.
- A construção de pontes entre a psicoterapia e a neuroimagem deve continuar. As duas abordagens complementares e interdependentes podem contribuir para a lapidação de tratamentos eficazes das pessoas psicologicamente traumatizadas.
- A conclusão do processamento de um passado traumático inacabado pode libertar as pessoas para viverem no presente.
- A psicoterapia pode ajudar, é preciso construir uma aliança positiva com as experiências dolorosas, fortalecer os aprendizados para uma vida melhor e tirar o foco do lado ruim, ainda que este pareça mais evidente. Observo em minha clínica que a superação ocorre quando uma aliança de aprendizado com o sofrimento é construída, favorecendo benefícios adicionais à qualidade de vida anterior à ocorrência do trauma. Os conhecimentos adquiridos nesse processo não são restritos ao momento e beneficiarão também outros domínios da vida. O sofrimento traumático pode ser de fato apenas parte de uma história de superação.
- Três Universidades estiveram envolvidas no estudo (UNIFESP, Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo e Universidade Federal de Juiz de Fora) além da Polícia Militar do Estado de São Paulo. A pesquisa esteve vinculada ao pós-doutorado de Julio Peres em Diagnóstico de Imagem pela Radiologia Clínica da UNIFESP.
- Você deve falar. Mesmo com dificuldade podemos expressar nossos sentimentos, nossas memórias… Devemos tentar contar a história da melhor maneira que pudermos. Eu aprendi uma coisa: o silêncio nunca ajuda a vítima e envenena a alma (Elie Wiesel, 1996 / Prêmio Nobel da Paz).
- Lembrar envolve a reconstrução de uma trama coerente por meio de fragmentos disponíveis (Squire e Kandel, 2003).
- O passado é maleável e flexível, modifica com novas interpretações das recordações e re-explicações do que aconteceu (Berger, 1963).
- A mente é seu próprio lugar, e em si, pode fazer do céu o Inferno e do inferno o Céu (Milton, 1996).
- Crescimento pós-trauma envolve 5 aprendizados: (1) Abertura para novas experiências, interesses e objetivos de vida; (2) Apreciação e valorização da vida; (3) Melhor relação familiar e interpessoal permeada por gratidão, bondade e amor; (4) Desenvolvimento ou resgate da religiosidade/espiritualidade no dia-a-dia e; (5) Descoberta de força, coragem e perseverança para superação de adversidades.
- Conforme Peterson C, Park N, Pole N, D’Andrea W, Seligman ME. Journal Trauma Stress. 2008 Apr;21(2):214-7 o crescimento pós-trauma se relaciona diretamente com o fortalecimento do caráter e o desenvolvimento das virtudes: coragem, justiça, temperança, sabedoria, paciência, amor e esperança.