Promovendo resiliência em vítimas de
trauma psicológico
Ao longo da vida, estima-se que 51,2% das
mulheres e 60,7% dos homens tenham
vivenciado pelo menos um evento
potencialmente traumático1
. Entretanto, os
eventos traumáticos em si não são
determinantes isolados ou exclusivos do
desenvolvimento de transtornos psiquiátricos.
Experiências potencialmente intensas e
devastadoras possuem efeitos variáveis 2,3.
Estudos revelam um grau de variedade
interindividual no processamento da memória
de eventos de vida e das emoções básicas4,
enfraquecendo o conceito de “reação universal
ao trauma”5,6. Muitas vítimas de trauma
procuram apoio profissional, literatura,
supervisão e amizade, enquanto outras
enfatizam o colapso e/ou a vitimização7.
Embora existam algumas diferenças
qualitativas significativas em como as pessoas
traumatizadas e não-traumatizadas processam
e categorizam suas experiências8
, as perguntas
cruciais permanecem: o que faz alguns dos
indivíduos submetidos aos mesmos eventos
estressores desenvolverem patologias e outros
não? Quais são os preditores ao
desenvolvimento de resultados positivos? Tais
fatores poderiam ser úteis no tratamento das
vítimas de trauma psicológico? Para responder
parcialmente a essas perguntas, este artigo
discutirá o relacionamento entre as dinâmicas
psicológicas individuais e a maneira como os
eventos traumáticos são processados.
Trabalhando com os diálogos internos
estabelecidos com o evento traumático,
pretendemos contribuir com novas
perspectivas psicoterapêuticas, a fim de tornar
o tratamento de indivíduos com transtorno de
estresse pós-traumático (TEPT) mais eficiente
CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA
As descobertas funcionais e estruturais da
neuroimagem sugerem que a dificuldade em sintetizar, categorizar e integrar a memória
traumática em uma narrativa pode estar
relacionada ao volume diminuído do
hipocampo, à relativa diminuição na ativação
do hemisfério esquerdo e à diminuição na
atividade do córtex pré-frontal, do cíngulo
anterior e da área de Broca5,9. Os níveis mais
baixos de cortisol também podem influenciar a
formação e o processamento da memória
traumática10. Não obstante, é crucial
compreender a fisiopatologia do trauma,
pesquisando por que determinados indivíduos
desenvolvem TEPT após a exposição
traumática e outros aparentam resiliência aos
mesmos eventos estressores.
Os processos de percepção e memória
estão diretamente relacionados à geração de
comportamentos adaptativos. A percepção é
também um processo de inferência e pode ser
influenciada pelas estratégias que foram
funcionais e adaptativas no passado11. As
experiências passadas afetam os padrões atuais
de comportamento por meio das predições de
futuro com base nos bancos de memória.
Todavia, a reconstrução de memórias
emocionais e traumáticas é contínua e dinâmica.
A neurociência demonstra que o encéfalo não
armazena propriamente registros factuais, mas
sim traços de informações que serão usados
para reconstruir as memórias, nem sempre
representando um quadro fiel ao que foi
vivenciado no passado. Para executar tal
processo, diferentes partes do encéfalo agem
como nódulos neurais que codificam,
armazenam e recuperam as informações que
serão usadas para criar memórias 12,13. Por
conseguinte, sempre que um evento traumático
ou emocional é recuperado, ele pode ser
submetido a uma mudança cognitiva e
emocional. Loftus14 observou a imprecisão no
processo de lembrança demonstrando o
fenômeno de falsas memórias. Leichtman et al.15
e Gonsalves & Paller 13 revelam que as
similaridades entre memórias falsas e
verdadeiras são mais profundas do que os
pesquisadores tinham previamente pensado, e
McNally16 demonstrou que as respostas aos
traumas são também conduzidas pelas crenças
emocionais, a despeito de sua exatidão.
Beckman17 chamou atenção para as respostas
neurofisiológicas compatíveis com aquelas
observadas em indivíduos com TEPT e para
memórias de eventos que nunca poderiam ter
acontecido. Assim, tais achados sobre trauma
psicológico trazem uma fundamental
compreensão à psicoterapia. Mesmo que uma
memória emocional não forneça um retrato